quinta-feira, 30 de junho de 2011

GO THE FUCK TO WORK


Adam Mansbach é um tipo esperto. Uns tantos como ele devidamente entronizados nos lugares certos e o mundo seria outra coisa – parecida com o que é hoje, mas ligeiramente mais asquerosa. Diz que Mansbach é um escritor sério e premiado, autor de ensaio e ficção, professor universitário e palestrante, além de membro fundador de uma publicação dedicada ao hip hop; e se o leitor nunca tinha ouvido falar é só porque anda distraído.

Mas Mansbach é, principalmente, um tipo esperto. Ele é como a minhoca que acorda o pássaro madrugador: o que outros pensaram, Mansbach fez; onde outros capitularam, Mansbach triunfou. O seu grande contributo para o avanço civilizacional, já inscrito nos anais da história da edição, é um livro para crianças chamado Go The Fuck to Sleep. Uma versão lida em voz alta por Samuel L. Jackson está a bater records de downloads. Há outra versão, igualmente bera e rufia, protagonizada por um imitador de Christopher Walken. É escolher. O white trash americano exulta. E Adam Mansbach já tem casa nova. Go The Fuck to Sleep é o best-seller do momento e, segundo a Amazon, “um dos livros mais falados da década”. Olha a nossa sorte.

Peço desculpa: acabei de ouvir uma entrevista do autor à ABC e parece que, afinal, Go The Fuck to Sleep não é um livro para crianças. Parece mesmo, mesmo, mesmo – mas não é. Ca burros ca malta somos, perdão, semos... O formato, as ilustrações, as cores, as rimas em verso, os tigres-cordeirinhos na capa, tudo aquilo é só para enganar o leitor desavisado que depois deixa comentários na Amazon. Como aquele papá que leu o livro à hora de dormir – pronunciando bem as sílabas “go the fuck to sleep”, esperemos – e pôs a miúda de quatro anos a chorar. Ele há putos sem nenhum sentido de humor, bolas. Um pai esforça-se, esforça-se, e depois é isto. Apre. Cambada de ingratos.

Entendamo-nos, portanto: Go The Fuck to Sleep é um livro para adultos. A partir dos três anos, mais ou menos. Na entrevista, Adam Mansbach recomenda que o coloquem numa prateleira bem alta, longe do alcance das crianças – que é precisamente o que todos vão fazer, nas livrarias e tudo. Assim, bem lá no alto, onde ninguém chegue senão com um escadote.

Adam Mansbach podia ter escrito um romance ou um ensaio sobre a difícil e debilitante condição da paternidade, mas sabia que ninguém lhe ia ligar pevas. Sobretudo, daria muito trabalho. Por isso, entre duas cervejas e o sumário das aulas, escreveu Go The Fuck to Sleep. Escreveu-o a pensar nos milhões de pais atormentados que se sentem “identificados” com o problema de pôr as crianças a dormir (poderemos chamar-lhe uma “issue”?), e agora estão muito mais aliviados, porque finalmente alguém os compreende. Taditos. Sentiam falta de “empatia”. Já não sabiam o que fazer com tanto sentimento de culpa, com esses momentos em que a bílis sobe ao esófago (a bílis, o cansaço, a pressão do trabalho, o vizinho a martelar, as contas por pagar, os fritos que caíram mal e todas essas coisas chatas da vida), provocando um súbito e premente desejo de torcer aqueles pescocinhos alvos que se recusam a tombar na almofada, pelo menos até à manhã seguinte. Aí, entra o bom do Mansbach. Os papás pegam no livro e riem-se muito. Ele também.

terça-feira, 28 de junho de 2011

LIVROS VICIANTES




Eu também me lembro. Os Filhos da Droga foi, de longe, o livro que reli mais vezes: 13, para ser exacta. Li-o na edição do Círculo de Leitores (1981), que resistiu até hoje com as mazelas naturais do tempo. Nessa altura, devorei também outros clássicos do género – Viagem ao Mundo da Droga e Perguntem à Alice, por exemplo –, mas foi a vida sórdida e extraordinária de Christiane F. e do namorado prostituto, Detlef, mais a descrição da sua família disfuncional, das amigas Babsi e Stella, dos clientes da Estação do Zoo e dos apartamentos com as alcatifas ensopadas em “caldo” que verdadeiramente me impressionaram. Quando fui pela primeira vez a Berlim, em 1993, comprei um postal na Kurfürstendamm, uma das palavras mais fascinantes do livro, a par de turkey, Mandrax, Valium e Valeron. Adorava saber estas coisas e acredito que ressoem da mesma maneira junto de quem tem hoje 12 ou 13 anos.

AO CUIDADO DO INSTITUTO DE NOVAS PROFISSÕES


Freguesa: Queria um livro para uma rapariga de 26 anos que é decoradora de infância…
Livreira Anarquista (reticente): …..decoradora de infância?!
Freguesa: Sim, decoradora de infância…ela fez mesmo o curso e tudo!


(Mais um testemunho único e inolvidável da Livreira Anarquista, para ler na íntegra aqui.)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

PARA UMA EDUCAÇÃO ELEMENTAR


Confesso que esperava um pouco mais de uma mente brilhante como Ken Robinson, mas talvez a expressão plena do seu elemento se encontre na comunicação oral e não na escrita (ouçam-no aqui, nas Ted Talks). O que é “o elemento”? Na definição do autor, “é o ponto onde a aptidão natural e a paixão pessoal se encontram”, proporcionando às pessoas a possibilidade de “fazerem aquilo de que gostam, o que as torna autênticas”. Facílimo, não? Basta ver a quantidade de gente que se levanta às sete da manhã, entusiasmada com a perspectiva de mais um dia de trabalho, para ver como a coisa não tem mesmo nada que se lhe diga…

Se me perguntarem se O Elemento (Porto Editora) é um livro de auto-ajuda, direi que não, porque embirro com o termo auto-ajuda; a não ser, eventualmente, para baptizar uma oficina de reparação de automóveis. Mas se me perguntarem se é um livro implicado no conhecimento do indivíduo e na sua harmonização com o colectivo e com as instituições sociais – a começar pela escola –, direi que sim, com muito gosto, e recomendo a leitura. Há uma enumeração algo exaustiva de casos “famosos”; pessoas que, cedo ou tarde, encontraram o seu elemento (de Matt Groening, criador dos Simpsons, a Richard Branson, o homem forte da Virgin), por contraponto a uma certa rarefacção teórico-científica, mas quem sentir que Ken Robinson está a fazer chover no molhado pode sempre fazer uma leitura diagonal dessas partes. No essencial, O Elemento é um livro estimulante, questionador e algo incómodo, sobretudo numa altura em que os cursos de Humanidades estão às moscas e nos tornámos num país (falido) de gestores e engenheiros. O caso escandaloso dos alunos do Centro de Estudos Judiciários, futuros magistrados que respondem a testes de cruzinhas e, mesmo assim, copiam vergonhosamente, é bem exemplo da mediocridade de espírito que grassa por aí.

“O pensamento criativo envolve muito mais do que os pensamentos lógicos e lineares que dominam a perspectiva ocidental da inteligência e, sobretudo, da educação”, afirma Ken Robinson. “O pensamento criativo depende, em grande parte, daquilo a que por vezes chamamos pensamento divergente ou lateral e, sobretudo, das metáforas e das analogias”. A citação faz pensar na literatura e nas artes? Pois, não a escolhi por acaso. Resta lembrar que conhecimento não é igual a inteligência, e inteligência não é igual a criatividade. Para sair deste atoleiro, vamos precisar principalmente desta última.

domingo, 26 de junho de 2011

GERAÇÃO KALKITOS


Para muita gente, os Kalkitos foram a invenção mais marcante desde a roda e do café instantâneo. Compravam-se em quiosques e papelarias, a preço módico, e consistiam numa série de figuras decalcáveis numa folha com um cenário previamente desenhado. Havia sempre um pequeno texto sobre o tema, de uma ingenuidade épica e comovente: «Colecciona-os e vive sempre que queiras as mais excitantes aventuras», prometiam. E era verdade. Com a ajuda de um simples lápis ou de uma esferográfica, qualquer menor de idade teve oportunidade de sentar-se à mesa com Os Vikings, voar com O Barão Vermelho, alimentar os Animais Pré-Históricos, entrar na Cidade Troglodita ou participar no Desembarque na Normandia. Não é exagero dizer que os Kalkitos fizeram mais pela cultura geral de uma geração do que muitos decretos-leis do Ministério da Educação. A sua importância foi tal que chega a surpreender a ausência do nome «Kalkitos» na lista dos nomes próprios autorizados pelo Instituto dos Registos e do Notariado; sobretudo depois de darmos caras com «Liliano», «Lindorfo» ou «Libertário», só para citar três exemplos próximos do «K». Francamente, é impossível que alguém nascido antes de 1980 nunca se tenha lembrado de prestar homenagem a uma das mais extraordinárias brincadeiras do século XX tardio, baptizando o seu filho de Kalkitos Manuel, Pedro Kalkitos ou mesmo Sebastião Kalkitos. São nomes capazes de influenciar o destino de qualquer pessoa e até de uma nação inteira – e se o mundo está como está, é só porque falta colocar um Kalkitos no lugar certo.


(Texto publicado na edição de 26 de Junho da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia".)

sábado, 25 de junho de 2011

FESTIVAL HISTÓRIAS DE IDA E VOLTA


Começou hoje de manhã na Fábrica da Pólvora (Barcarena) e prolonga-se até amanhã à noite, mas quem quiser assistir às melhores sessões de contadores de histórias (António Fontinha, Rodolfo Castro, Cristina Taquelim e Tim Bowley, entre outros) vai ter de lá ir hoje. O programa completo está aqui.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

UM PINGUIM PERDIDO DE CASA


Como no livro de Oliver Jeffers, Perdido e Achado (Orfeu Mini), também este pinguim-imperador se perdeu de casa, nadando desde a Antártida até à Nova Zelândia, o que aconteceu pela última vez em 1967. Mas nem sempre há alguém para cuidar de nós, incondicionalmente. Passados os primeiros dias do “fenómeno”, com autóctones e turistas a acorrerem à praia de Peka Peka, na costa oeste da Ilha Norte (aqui, o vídeo do New Zealand Herald), a história caminha para um desenlace triste. Os serviços oficiais de conservação do ambiente recusaram – numa atitude sensata – assumir a responsabilidade de transportar o pinguim para a Antártida, com receio de introduzir doenças no ecossistema (além de que a viagem seria caríssima); e os centros de acolhimento parecem não possuir as condições necessárias. Depois de ter dado sinais graves de inadaptação ao novo habitat, demasiado quente para os seus hábitos, começou a ser tratado, estando agora com 50 por cento de hipóteses de sobreviver. É pouco provável que tal aconteça. A vida não é tão bonita como certos livros. Por isso fazemos livros.

MERGULHAR É PRECISO


Por nós todas as praias seriam assim, livres e luminosas. Sem famílias aos gritos, sem música de bares a massacrar-nos os ouvidos, sem criancinhas a fazer birras porque já não sabem brincar fora das playstations. Praia Mar (Planeta Tangerina) é um livro de imagens onde apetece mergulhar em dias de calor como hoje. Não há adereços inúteis nas páginas ilustradas por Bernardo Carvalho; só a expressão da natureza em sintonia com o elemento humano, uma tranquilidade delicada de onde não está ausente o movimento e a dinâmica das coisas. Mergulhem e verão.

terça-feira, 21 de junho de 2011

UMA NOVA EDITORA: GATO NA LUA


Gato na Lua (belo nome) é uma editora de livros para crianças fundada por Paulo Monteiro, cuja experiência na Ambar o levou agora ao novo projecto. Com sede em Leça do Balio, a Gato na Lua define-se por “uma orientação editorial assente na publicação de álbuns ilustrados de grande qualidade dirigidos a crianças entre os 3 e os 10 anos”. Um dos primeiros títulos, O Meu Balão Vermelho, de Kazuaki Yamada – cujas ilustrações foram seleccionadas para a última Feira do Livro de Bolonha – deve chegar em breve às livrarias. Entretanto, sigam as pegadas do gato através do site e do blogue. Aqui.

domingo, 19 de junho de 2011

BRINCAR NA RUA


Não foram só os pássaros que começaram a cantar mais alto, no esforço de se sobreporem ao ruído da cidade, como há tempos alertou uma notícia. A asfixia da vida instintiva está também na evidência de as crianças terem deixado de brincar na rua, levadas por um qualquer Flautista de Hamelin que esvaziou o espaço público de vozes e algazarras. Lugares antes ocupados por tardes de brincadeira são agora metodicamente divididos e pagos em fracções de 15 minutos – a medida do nosso tempo espartilhado, apressado, sempre inquieto. Acabou o jogo da apanhada, das escondidas, do «mamã, dá licença?». Um carrinho de rolamentos é capaz de parar o trânsito, mais do que um Ferrari. Verbos como «correr», «saltar», «trepar» e «lutar» passaram a ser conjugados com culpa e receio parentais. A célebre frase «vai brincar lá para fora» já não é um imperativo categórico de adultos saturados, a necessitar também do seu espaço, mas uma declaração de inconsciência ou, no mínimo, de excentricidade. Paradoxalmente, quanto menos brincam na rua, mais irresponsáveis as crianças crescem. Quem é que hoje diz «vai ali fazer um recado à mãe», sem gerar tumultos ou bocejos enfastiados na sua prole? Deveríamos ir além das preocupações genéricas nesta matéria. Brincar é uma actividade inútil, tão inútil quanto essencial à conquista da identidade e da independência. Passamos do colo da mãe para o chão de casa; passamos da casa para a rua, e da rua para o mundo. Só assim chegamos a algum lado. Não precisamos de ter sempre um vidro ou um ecrã qualquer entre nós e o território que progressivamente conquistamos.

(Texto publicado na edição de 19 de Junho da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia".)

sexta-feira, 17 de junho de 2011

QUEREMOS MAIS MARGARET MAHY


«Nunca me hei-de esquecer de como aprendi a ler. Quando era menina, as palavras escapuliam-se diante dos meus olhos como pequenos escaravelhos negros cheios de pressa. Mas eu era mais inteligente do que elas. Aprendi a reconhecê-las apesar de tentarem escapar-me velozmente. Até que, por fim, consegui abrir os livros e entender o que lá estava escrito.» Palavras da escritora neozelandesa Margaret Mahy, naquele que é, no meu modesto entender, um dos textos mais poéticos e consistentes produzidos para assinalar o Dia Internacional do Livro Infantil (ler integralmente aqui), neste caso em 2007. De Margaret Mahy, contemplada com o Prémio Hans Christian Andersen de 2006, apenas está traduzido em português O Rapaz dos Hipopótamos (The Boy Who Was Followed Home, 1975), publicado pela Livros Horizonte em 1997. Pode ser que a Feira de do Livro de Frankfurt de 2012, onde a Nova Zelândia vai ser o país convidado, dê algumas ideias aos nossos editores mais atentos. Sobre Margaret Mahy, recomendamos a leitura da página do New Zealand Book Council, aqui.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

COMUNIDADE DE PEQUENOS LEITORES


Para fazer parte do Clube de Leitura Arquivinho – uma nova comunidade de leitores orientada pela Livraria Arquivo, em Leiria – só é preciso ter entre 9 e 12 anos e gostar de ler. Vários livros são colocados em cima da mesa, mas só um é o eleito para estar na berlinda esse mês. Aos terceiros sábados, o grupo reúne-se para partilhar ideias e dizer o que gostou e o que não gostou. A primeira sessão decorre já no próximo sábado, 18 de Junho, às 15h00.

Quem estiver interessado em participar apenas tem de fazer a sua inscrição por mail (clubearquivinho@arquivolivraria.pt), por telefone (244 822 225) ou ao balcão da Livraria. Nós, que somos há alguns anos fãs da Comunidade de Leitores da Culturgest (para crescidos), orientada pela Helena Vasconcelos, recomendamos a experiência de fazer parte de uma outra família onde ninguém nos censura nem olha de lado se pusermos os cotovelos em cima do livro.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

LANCHAR COM O SENHOR VERDE

Javier Sáez Castán, o ilustrador do maravilhoso Animalário Universal do Professor Révillod (aqui), regressa em português com O Lanche do Senhor Verde, um álbum da sua inteira autoria, editado novamente com a chancela da Orfeu Mini. Olhem bem para esta capa tão magritteana.

terça-feira, 14 de junho de 2011

NOTÍCIAS QUE FAZEM ESTE BLOGUE ACORDAR


Estava este jardim muito adormecido e pouco assombrado quando, de repente, deu com esta notícia no Blogtailors. Logo as pohutukawas (ou metrosíderos, como lhes chamam por cá) começaram a agitar as folhas e a mostrar as suas lindíssimas flores encarnadas, todas vaidosas. E as pedrinhas do Mar da Tasmânia que estão ali guardadas numa caixa começaram a mexer-se (ou pelo menos parecia que sim). E a Busy Bee de plástico que faz de porta-chaves começou a zumbir, inexplicavelmente. É o que acontece aos jardins muito adormecidos e pouco assombrados quando ouvem duas palavras mágicas: Nova Zelândia. Weeeeeeee!




(Atenção, o autor de The Whale Rider é Witi Ihimaera e não Ngaio Marsh. Falámos deles aqui, por exemplo. Mais coisas sobre a Nova Zelândia podem ser procuradas na etiqueta homónima, aqui do lado direito do blogue.)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

CITY-BREAKS: BRAGA

O Jardim Assombrado vai aproveitar o embalo dos feriados. Estamos quase de partida para Braga, onde, a convite da Professora Sara Reis da Silva, encerraremos o “Ciclo de Actividades em Literatura para a Infância e a Juventude”, iniciado em Março com uma série de conferências e debates (ver aqui.). Amanhã, o tema é “A Edição e a Crítica da Literatura para a Infância e a Juventude em Portugal”. Encontro-me com o editor da Bags of Books, Francisco Vaz da Silva, no Auditório do Instituto de Educação da Universidade do Minho. Até já.

terça-feira, 7 de junho de 2011

ARTE, LEITURA, LITERATURA


Quando se comemoram 140 anos da realização das “Conferências do Casino” (Primavera de 1871), impulsionadas pelo poeta e ensaísta Antero de Quental, o Clube UNESCO de Educação Artística e o Centro de Nacional de Cultura propõem a realização, durante o ano de 2011, de um ciclo de palestras dedicado ao tema A Literatura – uma arte entre as artes, organizado por Ana Marques Gastão e António Carlos Cortez. Este último profere uma das palestras de amanhã, “Educar Pela Poesia”, a que se seguirá a intervenção de Fernando Pinto do Amaral, subordinada ao tema “A importância da leitura na educação artística”.

Não esqueçam: amanhã, 8 de Junho, no Centro Nacional de Cultura (ao Chiado, em Lisboa), pelas 18h30. Com entrada livre.

ENCONTRO ENTR'ARTES NA ESE DO PORTO

Estamos muito em cima da hora, mas não queremos deixar de divulgar o Encontro Entr'Artes, a cargo dos estudantes do Mestrado em Ensino do 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico da ESE do Porto, que conta ainda com a colaboração de estudantes do 3.º ano da Licenciatura em Educação Básica. É já amanhã. 8 de Junho, no auditório da ESE, a partir das 10h30. Aqui fica o programa:

Ana Catarina Lajas – Encruzilhadas textuais em Aventuras de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira
Ana Isabel Moreira – As origens que tive de esquecer: a emigração numa obra de António Mota
Sílvia Moreira – Emancipação da mulher portuguesa em Cortei as Tranças, de António Mota
Vitória Alves – Cor de estimação: a discriminação racial em Uma Questão de Cor, de Ana Saldanha
Elisama Oliveira – O humor em Os Tontos, de Roald Dahl
Sara Almeida e Sofia Magalhães – De Chapelinho Vermelho a Capuchinho Vermelho: reescritas do conto tradicional

Na Sala de Drama (edifício da Música da ESE do Porto), às 14h30, os alunos do Mestrado em Ensino do 1.º e 2.º ciclos do EB apresentam o projecto de música, drama e expressão plástica “Bichos, Bichinhos e Bicharocos”, com texto de Sidónio Muralha.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

SCHOOL DAYS


É impossível não sentir nostalgia do tempo em que as escolas tinham os seus «dias especiais». Não, não nos referimos às visitas das televisões, nem às reportagens sobre treinos de pugilato entre alunos e casos de mães extremosas que ajustam contas com os professores. Nada disso. Falamos daqueles «dias especiais» que alcançavam o seu apogeu no dia do passeio escolar, quando uma trintena de miúdos, incrédulos com tanta fartura, era enfiada numa camioneta ronceira com destino a Bragança, parava para comer sandes no parque de Amarante e exultava com o Mosteiro de Santa Quitéria e a fábrica da Tabopan. O dia do passeio era único e irrepetível, tal como o fim do ano escolar, mas também se celebrava o dia da fotografia de turma. Os pais eram avisados com antecedência, para que na data aprazada enfiassem os miúdos numa farpela conveniente, quase sempre igual à dos outros dias. Havia o retrato de grupo, com os meias-lecas lá à frente e as vigas cá atrás, ao lado dos professores. Havia o retrato solitário junto ao quadro, com o livro aberto ao acaso; e havia o retrato na carteira, o único lugar onde a paridade entre marrões e calaceiros era possível. A carteira era sempre a mesma e os alunos rodavam. Ali, rodeados de livros e cadernos alheios, de lápis em punho e olhar cândido no mistério da objectiva, todos pareciam estudantes exemplares. O ciclo da água? Básico. Os sólidos geométricos? Trivial. O Sistema Solar? Corriqueiro. E até os problemas de aritmética pareciam fáceis: alcatifou-se uma sala com sete metros de comprimento e cinco metros de largura com alcatifa a 200$00 o m2. Quanto se gastou? Não faça contas, leitor. A resposta acertada é: «Stôra, depende se pediu factura ou não.»

(Texto publicado na edição de 5 de Junho da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia". A fotografia foi tirada na escola primária de Moreira, aldeia do Alto Minho, nos meus áureos sete anos. Como se nota, a blusa é tipicamente seventies.)

sábado, 4 de junho de 2011

VIDA DE GATO


Não é tanto um livro sobre a morte, mas sobre o medo da morte, cujo rosto só conhecemos a partir do olhar que lançamos sobre ela. Temerário, umas vezes; receoso, outras, um gato encara a morte de frente no desenrolar das suas míticas sete vidas, esquivando-se e vendo outros desaparecerem em seu lugar: o pássaro tombado do ninho, o cão atropelado, o porco votado ao dia da matança, a noiva que morre de intoxicação alimentar (eufemismo para a expressão usada por Luísa Ducla Soares, que continua a dar largas à sua veia satírica), os soldados caídos no campo de batalha, reduto quase final de um ciclo onde a morte não tem descanso. Francisco Cunha, ilustrador que antes assinava como Chico (os seus últimos trabalhos saíram pela Ambar), mantém o registo figurativo, mas o traço e a técnica evoluíram para um patamar estético superior. Fugindo aos estereótipos do esqueleto ou da ceifeira, a sua representação da morte é um achado de mestre: um grande gato branco, fantasmagórico, de olhos cegos; um duplo, afinal, que abraça o gato da história na sua sétima e última vida. Numa escrita bem calibrada entre a aspereza do tema e a possibilidade de pacificação interna, essencial ao leitor infantil, Luísa Ducla Soares assinou um belíssimo livro que há-de perdurar na memória de quem o ler.

Um Gato Tem 7 Vidas
Luísa Ducla Soares
Ilustrações de Francisco Cunha
Civilização

(Texto publicado na edição da LER nº 103, secção “Leituras Miúdas”)

sexta-feira, 3 de junho de 2011