sexta-feira, 31 de outubro de 2014

INVENTÁRIO DOS ANIMAIS COM CAUDA


Para que serve uma cauda? Entre outras coisas, para transportar as crias, manter o equilíbrio, mudar de direção, espalhar feromonas e enxotar as moscas. Dos mesmos autores do Inventário Ilustrado das Árvores, um catálogo de animais dotados de um fim que justifica os meios. Edição da Faktoria K de Livros, uma chancela da Kalandraka. 

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

KEITH & KEITH


Quando as celebridades ou «aspirantes a» desatam a escrever livros para crianças, só podemos fazer como Noé: arranjar uma cena que flutue e esperar que a chuva passe. De Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones (desculpem a referência, mas posso estar a ser lida na galáxia M87), é lícito esperar que um livro subintitulado «a história do meu avô e da minha primeira guitarra» seja isso mesmo. Caramba, o homem tem mais histórias para contar no dedo mindinho do que a maioria de nós, pobres mortais, durante a vida toda. Não sabe escrever? Não precisa. Basta-lhe ser um dos melhores músicos da História. E é também para dar uma ajuda à economia que existem ghostwriters. Provavelmente, nem a Hachette nem editora alguma conseguiria convencer Keith Richards de que o seu talento para escrever é tão nulo como o que a neta, Theodora Richards, demonstra ter para desenhar. Podemos encolher os ombros e pensar que, assim, só se estraga uma família, mas o que eu queria mesmo era uma história como deve ser. Ou algo vagamente parecido.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

MÃOS ÀS OBRAS


aqui tinha falado de Art & Max e da estreia de David Wiesner em Portugal pela Orfeu Negro. Num registo completamente diferente, mais conduzido e com alguns pontos de contacto com o livro informativo, saiu também O Museu (Presença), uma história de Susan Verde com ilustrações de Peter H. Reynolds. Para quem queira explorar livros centrados na temática das Artes Plásticas, aí estão duas sugestões a ter em conta.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

BONJOUR, TENDRESSE


Capa de Tom Gauld para a última The New Yorker. Só para quem teve preguiça de abrir o link do post anterior. Bom fim de semana!

ESCREVER NÃO TRAZ SEGURANÇA


Em nenhum sentido. (Cartoon de Tom Gauld, que assina a capa da New Yorker desta semana. Luxo e conforto para este Outono-Inverno.)

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

AVENTUREIRAS


De Sónia Serrano, investigadora na área da literatura de viagens, um ensaio de 344 páginas (Tinta-da-China) que cruza duas trajectórias tradicionalmente divergentes: a condição feminina e o impulso nómada. Neste caso, dizer «a descobrir» soa algo redundante.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O SENHOR ZORRO É UM LIVRODEPENDENTE


Com texto e ilustrações da alemã Franziska Biermann, Al Señor Zorro Le Gustan Los Libros veio da livraria Gigões & Anantes, em Aveiro. Não se trata de um álbum, mas de um livro ilustrado («profusamente ilustrado», para usar a terminologia correcta) altamente recomendável para todos os que se interessam pela «livrodependência». A graça desta personagem consiste na sua semelhança com qualquer viciado noutras substâncias legais ou ilegais. Entregue ao vício prazenteiro da leitura, o Senhor Raposo é capaz de mentir, enganar e roubar para alimentar a sua pouco virtuosa adição. Da decadência à cadeia, é um instante. Para superar a desgraça, decide contar a sua história, enriquece e torna-se ele próprio um produtor na indústria do livro, passando a alimentar vícios alheios. Neste twist há uma óbvia ironia no tratamento de um tema que está longe de ser novo. Assim, de repente, surge o «velhinho» Leónia Devora os Livros, de Laurence Herbert e Frédéric du Bus, editado pela Caminho em 1992, com uma tiragem de 11 mil exemplares (outros tempos...). Em 2008, a Orfeu Negro publicou um muito mais sofisticado Incrível Rapaz Que Comia Livros, de Oliver Jeffers, cuja pièce de résistance é a mordidela apensa na contracapa. Al Señor Zorro Le Gustan Los Libros ainda não está traduzido em Portugal, mas há uma edição em português do Brasil pela Cosac Naify.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

QUERIDOS MONSTROS


Que bom ver mais um livro de Peter Brown depois de O Jardim Curioso, um dos títulos da saudosa colecção Borboletras (Caminho) que incluí no Best of 2010 da LER. Dedicado aos «professores incompreendidos» e aos «alunos incompreendidos», o novo álbum da colecção Orfeu Mini consegue ser profundamente honesto na abordagem desta relação periclitante (porque assente no desequilíbrio de poder entre as duas partes) e, ao mesmo tempo, convincente pela graça e desafectação paródica. É muito interessante a forma como o autor explora a mudança de cenários exteriores e a transformação interna das personagens, Frederico e Dona Lurdes, culminando num desfecho tudo menos forçado. Neste ano lectivo de contornos surreais, A Minha Professora é Um Monstro! (Não Sou, Não.) é um desafio ao nosso sentido de humor. Vale a pena conhecer outros livros de Peter Brown aqui.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

OS CONTOS SÃO UMA MEDICINA

 
«Os contos são uma medicina. Senti-me fascinada por eles desde que ouvi o primeiro, pela primeira vez. Têm um poder extraordinário: não exigem que façamos, sejamos ou ponhamos em prática algo: basta que os escutemos. Os contos contêm o remédio para reparar ou recuperar qualquer pulsão perdida. Os contos engendram emoções, tristeza, perguntas, desejos e pensamentos que trazem espontaneamente os arquétipos à superfície; neste caso, o arquétipo da Mulher Selvagem.»

(um excerto da minha «bíblia»: Women Who Run With Wolves [Mulheres que Correm com os Lobos], de Clarissa
Pinkola Estés, psicanalista junguiana, escritora e contadora de histórias, só para ficarmos por aqui)  

terça-feira, 14 de outubro de 2014

APRENDER COM OS MESTRES - 2

 

- Todos os livros incorporam um conjunto de valores, intencionalmente ou não.
- Os adultos gostam de alguns livros escritos para crianças.
- As crianças gostam de alguns livros escritos para adultos.
- Crianças e adultos são influenciados pelo que leem.
- Um livro escrito para crianças pode ser um bom livro, ainda que as crianças em geral não gostem dele.
- Um livro escrito para crianças pode ser um mau livro, ainda que as crianças em geral gostem dele.
- Um livro pode influenciar num sentido (ou vários) que o autor não previu ou não teve intenção.
- Um livro pode estar bem escrito e, no entanto, dar forma a valores que numa determinada sociedade são largamente contestados.
- Um livro pode estar mal escrito e, no entanto, dar forma a valores que numa determinada sociedade são largamente aprovados.
- Um livro pode ser desaconselhável às crianças por causa dos valores que transmite.
- O mesmo livro pode significar coisas diferentes para crianças diferentes.
- É sensato prestar atenção aos julgamentos das crianças acerca dos livros, independentemente de os adultos concordarem. 
- É sensato prestar atenção aos julgamentos dos adultos acerca dos livros, independentemente de as crianças concordarem.

(Fotografia retirada daqui.)

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

APRENDER COM OS MESTRES - 1


- É bom para as crianças lerem ficção.
- Os gostos das crianças são importantes.
- Alguns livros para crianças são melhores do que outros.
- É bom ajudar as crianças a gostarem de livros melhores.
- Um bom livro para crianças não é necessariamente mais difícil ou menos entusiasmante do que um mau livro para crianças.
- As crianças são indivíduos e têm gostos diferentes.
- Crianças de idades diferentes tendem a gostar de tipos de livros diferentes.
- Crianças de etnias diferentes e contextos sociais diferentes podem divergir nos seus gostos e necessidades. 

(Algumas ideias sobre livros para crianças segundo Peter Hollindale, do artigo «Ideology and the Children's Book». Amanhã, parte 2 e 3)

DA MÃO PARA A BOCA


«Dizem que se os seres humanos não pudessem sonhar à noite acabariam loucos. Do mesmo modo, se não se permite a uma criança entrar no mundo do imaginário, ela nunca chegará a assumir a realidade. A necessidade dos contos, para uma criança, é tão fundamental como a sua necessidade de comida e manifesta-se do mesmo modo que a fome.»

  (Paul
Auster, A Invenção da Solidão)


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

PRESENTES PARA AMANTES DE LIVROS


Abat-jour, caixa de lenços de papel e edredon em forma de livro. E outras ideias ainda melhores aqui.

(Cortesia de Micaela Maia.)

WENDY NO DIVÃ: GATO DAS BOTAS


GATO DAS BOTAS Aldrabão, trapaceiro, mentiroso, sem escrúpulos... Mesmo? A moralidade apensa ao conto de Charles Perrault não diaboliza a esperteza de «mestre-gato.


Um case study para as modernas neurociências, o Gato das Botas pode ser descrito como um psicopata funcional, cuja única culpa é ter nascido mais inteligente do que os outros. Séculos de perseguição e glória, do Antigo Egito à Idade Média, treinaram-no para a finura de uma mente superior, capaz de manter o sangue-frio até no momento em que escuta a sua sentença de morte. Imperturbável como um sat guru indiano, responde: «Não vos afligeis, meu dono. Só tendes que me dar um saco e um par de botas para poder entrar pelo mato dentro, e haveis de ver que não fostes tão mal bafejado como julgais.» Seguem-se as conhecidas peripécias que transformam o moleiro labrego – mas «formoso e bem apessoado» – no Marquês de Carabás, apenas com o sacrifício de alguns coelhos e perdizes para ofertar a um rei embasbacado com o poder. Dotado de suprema confiança, killer instinct e um par de botas (símbolo de autoridade e de afirmação social), o encantador felino, se nos permitem o pleonasmo, vai contando as mentiras que todos querem ouvir, ameaçando quando é preciso e bajulando quando se impõe. Tudo somado, convenhamos que o preço a pagar por salvar a pele e ainda garantir a harmonia do reino não é elevado. «Mestre-gato», como lhe chama Perrault, sabe que tudo nesta vida muda de forma, a começar pelos juízos e opiniões. De resto, está-se marimbando para o que pensam dele. 


(Texto publicado na LER nº 135. Outros da série «Wendy no Divã»: Capitão Gancho, Lobo Mau, O Chapeleiro Louco.)

terça-feira, 7 de outubro de 2014

PÓS-GRADUAÇÃO EM LIVRO INFANTIL

Até ao final desta semana ainda estão abertas as candidaturas ao curso de Pós-Graduação em Livro Infantil da Universidade Católica Portuguesa, coordenado por Dora Batalim e José Alfaro. Fiz a primeira edição, em 2009, e a única coisa de que tenho pena é de não ter tido duas cadeiras essenciais (ainda se diz «cadeiras»?) que foram acrescentadas no ano seguinte. Aproveitem! Mais informações aqui.

CONCURSO DÁ VOZ À LETRA



É uma bela ideia, sem dúvida; e só é pena que o concurso se restrinja a alunos de escolas da Área Metropolitana de Lisboa. Estudantes dos 13 aos 17 anos são convidados a enviar um video até ao dia 29 de Outubro (regulamento completo aqui). O objectivo é encontrar os melhores leitores em voz alta, valorizando os seguintes aspectos: capacidade de comunicação; criatividade interpretativa; texto escolhido. Para os três primeiros classificados, há dois iPads e uma viagem a Londres. No dia 7 de Fevereiro de 2015, somos todos convidados da Gulbenkian para assistir ao espectáculo e à entrega dos prémios.

CURSO DE AUTO-EDIÇÃO OFICINA DO CEGO


Depois de três edições que proporcionaram a cerca de duas dezenas de formandos o desenvolvimento de trabalhos individuais no âmbito da criação de livros e outros objectos de natureza gráfica-editorial, o Curso de Auto-Edição volta a reunir os formadores da Oficina do Cego para oferecer um conjunto de ensinamentos e práticas que cruzam técnicas de impressão como a tipografia, a serigrafia ou a gravura com noções de planificação editorial, paginação ou acabamentos. O objectivo é cruzar saberes, pôr as mãos no papel e na tinta e chegar a Julho com um objecto impresso que resulte do trabalho de cada um e da experiência colectiva que se proporcionará ao longo quatro meses de aulas.

Os interessados devem contactar a Oficina do Cego através do e-mail ocformacao@gmail.com, até ao próximo dia 5 de Novembro. As inscrições serão efectuadas após selecção dos candidatos, com base na apresentação do seu portfolio em formato digital (imagens em formato jpeg ou pdf ) ou de currículo.

Mais informações sobre a Oficina do Cego e o Curso de Auto-Edição em http://oficinadocego.blogspot.com, ou através do mail ocformacao@gmail.com
(Informação enviada pela Oficina do Cego) 

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

IRMÃO LOBO NO WHITE RAVENS 2014


Quase a sair de Lisboa para o seminário e workshop em Torres Novas, chega esta notícia maravilhosa: Irmão Lobo, o meu livro e do António Jorge Gonçalves, está entre os 200 melhores títulos infanto-juvenis vindos de todo o mundo para integrar o prestigiado catálogo White Ravens 2014, uma selecção da International Youth Library (Internationationale Jugendbibliothek), sediada em Munique (este lugar digno de um conto de fadas). Já não tenho tempo, mas está tudo na notícia do blogue do Planeta Tangerina. Obrigada a uma grande equipa!

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

SOMOS TODOS FILHOS DAS PALAVRAS


Foi talvez a presença mais comovente da 13ª edição das Palavras Andarilhas, em Beja, e que agora podemos rever na entrevista à Blimunda conduzida por Andreia Brites e Sérgio Machado Letria. «Somos todos filhos das palavras», diz Yolanda Reyes, para quem tão importante como ler os livros é ler as crianças. Escritora, educadora, cronista no diário colombiano El Tiempo, criou o projecto pedagógico Espantapájaros para dar corpo à noção, cientificamente comprovada, de que começamos a apropriar-nos da linguagem desde o quinto mês de gestação, quando as palavras e todos os sons ressoam amplificados na caixa líquida onde vivemos. Palavras ditas, palavras não ditas, silêncios, sonoridades, embalos, cadências, ritmo, melodia, ecos... Simbolicamente, as mães são música para o ouvido emocional da criança: «Quando me nomeias, eu existo. Quando me contas, eu existo.» Por isso os bebés choram quando a mãe sai do quarto. «Não te vás embora», diriam, se soubessem falar. Toda a nossa vida, afirma Yolanda, é passada a gerir, melhor ou pior, a ausência daqueles que amamos e a construir, sozinhos, o nosso próprio mundo. Até que chega a nossa vez de o comunicar.

(na fotografia: Yolanda Reyes, à esquerda, e Cristina Taquelim, a «alma» das Palavras Andarilhas)

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

MEDIADORAS DE LEITURA


Esta fotografia foi tirada na Praia de Matosinhos, entre os meus três ou quatro anos. Rodeada de tias, primas e senhoras amigas da família, usufruo de um dos valores mais importantes com que uma criança pode ser contemplada: ser encorajada a mostrar a sua originalidade; aquilo que a língua inglesa define como uniqueness e que não me parece ter tradução exacta para português. Pedem-me para ler qualquer coisa escrita num papelinho, porque sabem que sou capaz. Apesar do meu ar desconfiado e do olhar por cima do sobrolho, eu também sei que sou capaz. Creio que nesta fotografia está tudo o que é preciso de imaterial para fazer um bom leitor: incentivo, confiança, atenção, tempo, amor, descontracção, reconhecimento, autonomia. Tive essa sorte. Tenho essa gratidão.