quarta-feira, 29 de abril de 2009

O ANARCO-COMUNISMO EXPLICADO ÀS CRIANÇAS


Não sei onde estava no 25 de Abril de 1974, mas sei que não estava na escola. Tinha cinco anos e três meses, idade em que não fazia outra coisa senão ler e brincar. As minhas recordações mais fortes do período revolucionário situam-se em Braga, onde todas as manhãs se cantava religiosamente o hino da gaivota de Ermelinda Duarte (sublinho o religiosamente, porque estava num jardim de infância dirigido por freiras, o Colégio D. Pedro V). Morava num quarto de pensão com casa de banho comum e achava aquilo estranho e desconfortável, mas não me passava pela cabeça protestar. Lembro-me de o meu pai me dizer, sob as magníficas árvores do jardim da Avenida Central, algo assim como: “Se alguém perguntar, dizes que o pai é anarco-comunista”. Eu assenti, muito séria, sem perceber nada mas achando que estava a participar em algo muito importante, a julgar pelo nome: anarco-comunismo. Soava bem.

Como todas as crianças daquela idade, tive a minha dose massacrante de desenhos animados checos do Vasco Granja e alguns livros (poucos, felizmente) onde se explicava, por metáforas, o valor da liberdade e a importância do contra-poder. Um dos poucos que resistiu até hoje chamava-se O Povo que Não Queria Ser Cinzento e falava de um reino emancipado pelas cores vermelha, azul e branca. Aceitei, remediada, desejando secretamente mais histórias da Mónica e do Cebolinha.

Um dia, ainda em Braga, as brincadeiras com amiguinhos da escola levaram-me a esquecer de ir buscar a minha irmã mais nova ao infantário. Quando cheguei a casa, ao fim da tarde, levei um bom par de tabefes e fui de castigo para a cama, com a certeza de estar a ser alvo de uma injustiça terrível. Foi aí que me dei conta da dolorosa evidência, marcada a vermelho na minha cara: o anarco-comunismo era só para os crescidos.

1 comentário:

Paulo Reis disse...

Ora bolas, logologo a seguir a seres mázinha com o senhor Vasco Granja e os magnificos desenhos animados Checos o homem quinou, um acto de contrição impõe-se acho eu.

1 beso

Paulo Reis