quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

SUPERSTIÇÕES


Gosto de brindar ao Ano Novo com 12 horas de avanço e um calendário made in New Zealand. Toda a gente tem direito às suas manias. Esta não é das piores.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O MAR NOS ANTÍPODAS


Há sempre um português com azar bastante para ser encontrado por outro português, mesmo no lado oposto do mundo. Por causa de uma personagem atormentada pelo passado, atravessei O Mar em Casablanca a pensar em G. e no nosso improvável encontro na Nova Zelândia, há precisamente cinco anos.

Num alfarrabista de boas e más memórias, alguém falou de um português razoavelmente conhecido, que já tinha aparecido na imprensa local. Logo ali imaginei matéria para um artigo. Devia ter pousado o telefone quando ele respondeu “I beg your pardon?”, sem sinal de interesse ou curiosidade, só o enfado natural de quem acaba de ser interrompido no seu trabalho por uma arenga de vogais e consoantes numa língua remota – 25 mil quilómetros de distância é muito tempo. Respondi em inglês, queria conhecê-lo, ele disse “let me see” e ficámos assim, cada um com o seu cubo de gelo na boca, o telefone calado durante uma semana e tal.

Rumei a sul das planícies verdes e ocres de Canterbury, com a lembrança de G. no meu encalço. Teimosa, insisti. Ele providenciou o encontro com eficácia britânica, mas sem entusiasmo. Encontrámo-nos no seu local de trabalho, um departamento do estado nos limites da cidade, onde, para disfarçar a timidez, G. iniciou um périplo explicativo e abusivamente pormenorizado. Tudo o que eu queria era ouvir uma boa história. Um português nos antípodas de Portugal, o mais longe possível, o mais sozinho possível, foge de quê? G. não enganava: baixo, moreno, semicalvo, de idade incerta. As rugas acumulavam-se na testa e desenhavam um mapa erguido sobre melancolias e obsessões sólidas. Mais de vinte anos na Nova Zelândia não tinham chegado para o tornar num homem tranquilo, alegre, easy going – e desse destino é difícil fugir.

A língua-mãe já representava para ele um continente intransponível, de modo que acordámos em conversar em inglês. Fiz-lhe uma pergunta, a pergunta mais óbvia, imediata: como veio parar aqui? G. começou a chorar, todo o corpo chorava e tremia como um animal que acabasse de ser atropelado. Ao contrário do inspector Jaime Ramos, G. não era um exemplo do strong and silent type. Não fazia parte do género de pessoas “que preferem a sombra, as que atravessam a noite pelas estradas secundárias”. Pediu desculpa por estar a chorar; e não se pode ser mais português do que isso. Depois contou como tinha ido de país em país, tentando escapar ao passado, até parar na Nova Zelândia, o único lugar que.

Casou-se e teve filhos. Divorciou-se. A mulher nunca soube daquela história dos tempos da ditadura, envolvendo perseguições políticas, pides e lutas estudantis. O mais estranho era que G. também já não sabia quase nada de si próprio, nem sequer de que lado estava, se dos bons ou dos maus. Pelo menos, foi isso que me garantiu. “I don't remember, I don't remember”, continuava a dizer. Houve um ponto, ninguém sabe exactamente quando, em que G. começou a ser devorado pelo seu segredo, em vez de se alimentar dele para sobreviver.

Despedimo-nos duas horas depois com um cumprimento cordial e um embaraço impossível de disfarçar. Sabia que não nos voltaríamos a ver, que não ia haver convites para jantar em casa – é certo que a gastronomia do país é desgostante – nem passeios de carro pela península de Banks. No regresso, telefonei-lhe do aeroporto de Auckland, ele desejou boa sorte e boa viagem. Recomendou uns comprimidos homeopáticos para o enjoo que não funcionaram. Em Lisboa, dias depois, enviei-lhe dois e-mails a que ele nunca respondeu, como é óbvio. Se vivesse na Nova Zelândia, também eu gostaria que me deixassem em paz.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

UM PRESENTE INESPERADO


Na imagem acima, a capa original de A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia, de Selma Lagerlöf, uma relíquia de 1948 com a marca da Editora Nacional de Afonso Machado (Rua do Almada, 125, Porto). Habituei-me a ver este livro numa estante da casa dos meus avós, em Matosinhos. Por nenhum motivo em especial, nunca o li quando era pequena, mas ao longo destes últimos anos em que a casa desapareceu – com uma série de objectos que apenas vivem na memória fotográfica – tenho pensado nele obsessivamente, bem como noutros livros a que perdi o rasto. Por exemplo, na caixa de quatro volumes dos Contos Tradicionais Portugueses escolhidos e comentados por Carlos de Oliveira e José Gomes Ferreira, com ilustrações de Maria Keil, uma edição especial da Figueirinhas que o meu pai me ofereceu em 1975 ou 76. Na última Feira do Livro de Lisboa estive quase a reencontrá-lo no stand de um alfarrabista, mas perdi-o novamente “para uma senhora que passou há cinco minutos”. Já é azar. Não sei se vou ser capaz de ler agora A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson na tradução de Maria de Castro Henriques Osswald, talhada num português vetusto em que se encontram passagens do género “o pato deixou grande vácuo naquela casa”. Mas recuperá-lo das trevas de uma garagem, este Natal, já foi um presente inesperado.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A LIVRARIA BARATA E AS BOAS PRÁTICAS

Deixei de comprar livros na Barata há uns anos, quando fui atendida por uma livreira em estado de sítio emocional, que talvez sonhasse com um papel de pitbull no videoclip de um MC qualquer. Queixei-me ao gerente, que pediu muitas desculpas e lamentou a ausência de “boas práticas”, um eufemismo simpático. O press-release que acabou de chegar da Leya talvez permita que se façam as pazes com uma livraria que perdeu muitos dos seus clientes também por sua exclusiva responsabilidade. Não é isso que está subentendido em baixo, mas enfim. Também há quem não acredite que o homem pisou a Lua.

“O grupo Leya e a Livraria Barata estabeleceram uma parceria para a exploração daquele espaço da Avenida de Roma, em Lisboa. O acordo tem como objectivo a revitalização e dinamização da conhecida livraria, um dos ícones do universo livreiro da capital. É também objectivo fundamental desta parceria a manutenção do excelente serviço pelo qual a Livraria Barata é conhecida entre os seus clientes. O acordo prevê, igualmente, a instalação, no piso -1 da Barata, da "Loja do Professor", espaço que será dedicado aos Professores e às editoras escolares integradas na Leya - Asa, Gailivro, Novagaia, Texto e Sebenta.”

O TERRÍVEL E O SUBLIME


Para quê comprar animais quando se pode adoptar? Pessoalmente, concordo, mas não sonho ser modelo para ninguém. A última campanha da PETA (People for Ethical Treatment of Animals) tem irritado muito boa gente da Igreja Católica, talvez não tanto pela apropriação da iconografia religiosa como pelos pontos sensíveis que ali se tocam. Pele com penas ainda vá, mas pele com metal e aquela cruz estrategicamente colocada em forma de triângulo isósceles invertido é que não pode ser. Já tinham ouvido falar da actriz e modelo Joanna Kruppa? Pois, eu também. Mas as senhoras de tweed não vendem e a PETA sabe que as celebridades, ou aspirantes a, são indispensáveis à causa dos direitos dos animais e do vegetarianismo. É difícil desligar uma da outra – e grande parte da fractura passa por aí. Género: "Adoro o meu cão, mas deixa em paz o meu cabrito assado."

Apoiantes declarados da PETA são Ellen DeGeneres, Paul McCartney, Forest Whitaker, Joss Stone e Eva Mendes, entre muitos outros. E agora também uma das actrizes da saga Crepúsculo, recente adepta do famoso slogan "I'd rather go naked than wear fur". Há quem veja aqui um bando de radicais, terroristas, exagerados, ambiciosos e oportunistas. Esses e outros – bem piores – adjectivos também se aplicam ao que hoje se passa na indústria alimentar e cosmética, nas experiências de laboratório, nos treinos militares e em todas as engrenagens de produção em que os animais são submetidos a torturas inimagináveis. A PETA é radical? Pois é. Amor com amor se paga.

ROTAS SUICIDAS


Excepção feita para as catástrofes climáticas e pouco mais, as notícias do lado oposto do mundo não chegam cá facilmente. O inverso também sucede, é claro. O critério da proximidade geográfica, regra básica do ABC do jornalismo, só é superado pelos "factores desgraça, curiosidade ou aberração". Em nenhuma destas categorias se pode incluir a notícia recorrente das baleias que dão à costa da Nova Zelândia, todos os anos. Saiu hoje no Público. Ninguém sabe explicar ao certo por que razão isto se repete. Umas vezes as baleias salvam-se com a ajuda das populações locais e dos turistas bem-intencionados, mas a maioria morre lentamente. Nos últimos dias aconteceu na península de Coromandel, ilha Norte, e também em Farewell Spit, no topo da ilha Sul. Muitas já foram enterradas na praia, seguindo os costumes sagrados dos maoris. Fizeram-se vigílias durante a noite para impedir a presença dos caçadores de troféus e outros abutres. Notícia e video da ONE News aqui.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

NATAL EM FAMÍLIA


Pode ser apenas uma sensação de estranheza, mas clique na imagem se lhe apetecer exagerar. Passa dentro de poucos dias. Nós voltamos.

BLACK IS BEAUTIFUL


O Livro Negro das Cores, de Menena Cottin e Rosana Faría. O presente de Natal da Bruaá. Ver mais aqui.

QUANDO O MENINO JESUS TEVE MÃE


A eleger um livro infantil do Natal de 2009, só pode ser este: O cavalinho de pau do Menino Jesus e outros contos de Natal, de Manuel António Pina. São apenas três histórias, mas que histórias. Na última, o Pai Natal é afastado pelos seguranças dos Reis Magos,consegue infiltrar-se e deixar um cavalinho de pau ao Menino Jesus, que imediatamente põe de parte o ouro, o incenso e a mirra. Era o que qualquer criança minimamente saudável faria. Noutra, conta-se a viagem dos Reis Magos até Belém; e de como a existência de camelos em vez de dromedários impediu as Rainhas Magas de os acompanharem, causando alguma bossa, perdão, alguma mossa, na já antiga guerra dos sexos. A minha favorita é a primeira, "O sorriso", com uma Nossa Senhora a ser mãe de verdade e um São José atento como são os verdadeiros pais. Porque essa história de um Menino Jesus inventado no Céu, nascido de uma mulher que "não tinha amado antes de o ter", como diz o poema de Alberto Caeiro, é a coisa mais triste que há. E se algum leitor considera isto uma heresia, é melhor passar ao lado do livro. Um excerto:

"Acordou sobressaltado com um grito da mãe, depois outro, e outro. Ouviu São José vir a correr amparar Nossa Senhora:

«Deixa-te estar deitada, deixa-te estar deitada!»

Nossa Senhora gritou novamente. O seu coração batia violentamente mesmo ao lado do Menino Jesus, os seus pulmões arfavam, todo o seu corpo estremecia. Assustado, o Menino gritou também, um grito sem voz que apenas ele ouviu dentro da sua cabeça. Tudo se congestionara e entrara em convulsão. De repente sentiu-se puxado para baixo por uma força irresistível. As águas, à sua volta, escoavam-se agora em turbilhão, arrastando-o. Fora do seu corpo, Nossa Senhora gemia de dor. Sentiu, também ele, uma dor enorme, como se estivesse a ser arrancado de si. Ao mesmo tempo, no entanto, experimentava uma imensa e misteriosa felicidade, uma espécie de bem-aventurança que não percebia se era interior se exterior, como se alguma forma de destino ou de vontade estivesse a cumprir-se. Fechou os olhos e deixou-se escorregar docemente para fora da mãe."

(O cavalinho de pau do Menino Jesus e outros contos de Natal, de Manuel António Pina, com ilustrações de Inês do Carmo, Porto Editora)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O PAI NATAL DO ALEX GOZBLAU


Não há grandes esperanças a ter no Natal. É uma época em que estala muito o verniz.

SEI DE UM SÍTIO EM LISBOA...

... onde estão quase a chegar cinco Malasartes nº 18, as tais que ninguém consegue encontrar. É a Livraria Obras Completas, no Centro Comecial Dolce Vita, em Miraflores. O telefone é o 21 410 55 80. Falar com a Sandra Simões, uma livreira que não brinca com a literatura para crianças.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

PARA QUEM LEVA AS PALAVRAS MUITO A PEITO


Se ainda acreditasse no Pai Natal, pedia-lhe que me trouxesse todas as t-shirts da Criarte, em tamanho S, nas seguintes cores:

Verde-água ou preta: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo", Álvaro de Campos.
Castanha: “Dá-me uma mão a mim e a outra a tudo o que existe", Alberto Caeiro.
Branca: “A vitória triunfará àquele que tímido ouse", Agostinho da Silva.
Verde: “Para nascer pouca terra, para morrer toda a terra", Padre António Vieira.
Laranja: “Os homens em nenhuma coisa mostram mais o intrínseco dos seus pensamentos que no que escrevem", Damião de Góis.
Azul: “Nesses dias distantes nem suspeitava, a vida pode ser interminável", José Tolentino Mendonça.
Preta: “No dia que fiquei cego decidi ser fotógrafo", Al Berto.
Fogo: “No teu amor por mim, há uma rua que começa”, Ruy Belo.
Azul-anil: “Da Europa todo, o Reino Lusitano, onde a terra se acaba e o mar começa", Luis de Camões.

AGOSTO NO TELHADO


Um vestidinho de chita vermelho caía bem melhor do que esta chuva. Olá, Maria.

ABRIL NA VILA BERTA


"Esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas" (Al Berto). Maria Mateus, again.

PERDIDA NO CHIADO


Não encontrei o presente de Natal que queria, mas perdi-me no Chiado com estes postais ilustrados por Maria Mateus. Descobertos por acaso na loja Alma Lusa, ao Rato.

domingo, 20 de dezembro de 2009

NÃO TAMAGOTCHIZARÁS OS ANIMAIS


O escritor e ilustrador alemão Wolf Erlbruch (n. 1948), Prémio Hans Christian Andersen de ilustração em 2006, conhecido entre nós pelos livros A Grande Questão (Bruaá), O Mistério do Urso (A Cobra Laranja) e A Toupeira que Queria Saber Quem lhe Fizera Aquilo na Cabeça (Kalandraka), dá a sua visão da representação dos animais nos livros para crianças. Excerto de uma pequena e fundamental entrevista publicada no blogue da Bruaá:

"The figures and animals you draw are not beautiful in the classic sense of the word. Why?
That is because we, too, at least most of us, are not beautiful in the classic sense of the word. It would be terrible if we all had the same cosmetic surgeon – we would all be walking the streets, bored out of our minds, for there would be nothing new to discover. Animals are in fact not beautiful, they are phenomenal. They fascinate us with their sincere “that’s the way we are” approach to life. It is this phenomenal aspect that I try to re-create in my work. The animal should not be “tamagotchified”. These days it sometimes happens that children are even shocked when they see a real rabbit in a field. They had not imagined a rabbit could be like that. They had been brought up on rabbits with bright-blue discs for eyes and a pink nose – and then they are faced with this monster. That however is the way rabbits are – a big, bony, rather severe animal that commands respect and not in any way cute."

(A ilustração acima pertece à contracapa de O Mistério do Urso. Mais sobre Wolf Erlbruch aqui. Entrevista completa aqui.)

CRAZY GAIMAN




Crazy Hair, de Neil Gaiman (ed. Harper Collins). Para ler, ver e ouvir.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

ELA ONTEM ADORMECEU ASSIM


Jennifer Jones, 1919-2009. Brunettes have more fun.

ESTRANHOS QUE ENCONTRAMOS


Achei este livro nos saldos da BD Mania, livraria de Lisboa que visito muito menos vezes do que gostaria, por razões que facilmente se adivinham. Mesmo desconhecendo 95 por cento dos autores, a ideia atraiu-me imediatamente: um livro de histórias inventadas a partir de velhos postais – esses sim, verdadeiros, com selo e carimbo dos correios e letra manuscrita no verso. E, no entanto, a leitura foi algo decepcionante, não tanto pela qualidade gráfica, que não sei avaliar, mas pela tristeza sem redenção que atravessa as 16 histórias, quase sem excepções. Tristeza, luto, angústia, insanidade, desilusão, morbidez, indiferença, até o puro terror; um concentrado de digestão difícil. Confesso que não consegui ler mais do que dois ou três argumentos seguidos, com algum tempo de intervalo entre eles. Jason Rodriguez, o organizador do livro e responsável pela selecção dos autores, admite no posfácio que "tudo o que via nos postais era a morte". Tem graça. Também tenho um fascínio por velhos postais usados, mas procuro sempre neles a sugestão de uma vida muito mais promissora do que a minha. É fácil, de resto.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

DOIS PESSOAS



Um, aqui citado ontem, pertence à nova chancela da Kalandraka e tem a particularidade de ser ilustrado por Pedro Proença, ao fim de um "ano e meio em busca de uma solução satisfatória". O resultado foi "uma junção de métodos pessoais", sustentado "numa espécie de colagens geométricas feitas com papéis transparentes directamente no scanner de um modo aleatório. Ao mesmo tempo, recolhi detectivescamente desenhos de Fernando Pessoa, tipografias das suas primeiras edições, ou títulos e anúncios de revistas em que ele publicou." Espelhando o nome da colecção (Treze Luas), a antologia recolhe treze poemas de Fernando Pessoa e seus principais heterónimos – Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis –, segundo uma selecção pessoal da editora da Kalandraka, Margarida Noronha, e do próprio artista plástico.

Da Guerra & Paz surge outra recente antologia poética, desta vez cruzada pelo tema da viagem. Conceito e posfácio pertencem a Manuel S. Fonseca, que convocou "o empregado comercial Fernando Pessoa, o mestre Alberto Caeiro, os dois discípulos, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, e ainda o ajudante de guarda-livros Bernardo Soares" para integrarem uma associação secreta (e imaginária) de viajantes unida por um só lema: "Para que precisa de viajar com o corpo quem tão bem viaja com a alma!".

Álvaro de Campos, "o viajante dramático"; Alberto Caeiro, "viajante do lugar onde está"; Ricardo Reis, "o viajante imóvel"; e Fernando Pessoa, "viajante de si mesmo", eis os incansáveis globe-trotters que, diz ainda Manuel S. Fonseca, nenhuma actual agência de viagens aceitaria "e até para voos low cost seriam imprestáveis viajantes".

Da escolha do formato ao papel das guardas, duas edições feitas com esmero e em que se nota todo o amor aos livros, esses obscuros objectos de desejo sempre generosos ao tacto, o mais esquecido dos cinco sentidos.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

PESSOA POR PROENÇA



aqui tínhamos mencionado a Faktoria K de Livros, uma nova chancela da Kalandraka não exclusivamente dirigida ao leitor mais pequeno. Os primeiros livros – muito bonitos – chegaram há pouco pelo correio. A antologia poética de Fernando Pessoa ilustrada por Pedro Proença é um deles. Com treze poemas de um escritor português inicia-se assim a colecção Treze Luas, no seguimento do que já havia sido feito em galego e castelhano com Rosalia de Castro ou Gabriela Mistral. O livro será objecto de uma espécie de duplo lançamento na próxima sexta-feira, 18 de Dezembro. Primeiro pensámos que houvesse confusão nos convites, mas depois ficou tudo esclarecido. Não vamos poder ir ao Porto (snif), mas olhem só que programa:

- Sexta-feira, 18, às 18h30, na Livraria Papa-Livros (Rua D. Manuel II, Edifício Cristal Park), conversa sobre ilustração com Pedro Proença e Emílio Remelhe (aka Eugénio Roda).

- Sexta-feira, 18, às 21h45, na Livraria, Galeria de Arte e Café-Bar Labirintho (Rua Nossa Senhora de Fátima, 334), lançamento "oficial" do livro com Pedro Proença e leitura de poemas por José Carlos Tinoco.

Do resto da encomenda da Kalandraka daremos conta nos próximos dias...

PARABÉNS, ALICE


Ontem foi a Planeta Tangerina. Hoje, a festa é de Alice Vieira (está a ser um pouco difícil trabalhar assim...). Vamos aos detalhes:

"O Jardim de Inverno do Teatro Municipal de São Luiz, em Lisboa, será o palco da comemoração dos 30 anos de carreira da escritora Alice Vieira. A festa, que terá apresentação de Manuel Luís Goucha, está marcada para amanhã, quarta-feira, dia 16 de Dezembro, às 17h, e é uma iniciativa do grupo Leya, no qual se integram as quatro editoras com as quais a Alice Vieira edita os seus livros – a Caminho, a Oficina do Livro, a Texto e a Dom Quixote. Em preparação para o evento está um conjunto de intervenções de dezenas de amigos, colegas, escritores e editores de Alice Vieira, muitos dos quais subirão ao palco para momentos de poesia, leitura ou apenas de partilha de alguns episódios vividos com a escritora. Ana Margarida Ramos e José Tolentino Mendonça abordarão a obra da autora, enquanto o actor João d'Ávila lerá alguns textos. Intervirão também diversas personalidades do universo literário e editorial como José Jorge Letria, José Oliveira, Leonor Riscado, Leonor Xavier, Luísa Beltrão ou Mário Zambujal, entre muitos outros. Não faltarão, ainda, as crianças e algumas surpresas para a autora. A entrada é livre."

(Informação enviada pela editora.)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

ATÉ LOGO


Apesar do frio que faz lá fora, decidimos sair de casa. Direcção: Santos.

ASSIM NÃO DÁ


Alguém me explica onde se pode comprar em Lisboa o último número da Malasartes? Fnac, Bertrand e Bulhosa não têm a única revista portuguesa especializada em literatura infanto-juvenil - e na maior parte dos casos nem ouviram falar. É escusado procurá-la em quiosques e tabacarias. Não é discriminação para com "os livros de criancinhas", como diz a outra. Nas mesmas redes livreiras também ainda não está à venda a edição de Dezembro da Ler, que foi para as bancas há mais de uma semana. Estamos a dia 15. Não há compradores para as revistas literárias em Portugal? Pois não. Assim não.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

BURROS NO TOP


Até ver, é o picture book mais vendido este ano na Nova Zelândia: 77,720 exemplares, segundo o Beattie's Book Blog. Com texto e música de Craig Smith e ilustrações de Katz Cowley, The Wonky Donkey (Scholastic NZ) figura no top ten ao lado dos Dan Browns e das Stephenie Meyers. Chamem-lhe burro.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

CONTOS DE ENCANTAR


Uma colecção de contos de todo o mundo – populares e de autor – começou a ser publicada este ano pelo Círculo de Leitores, numa edição de luxo coordenada por Maria Nóvoa, que também assegura a maior parte das traduções. Lançada originalmente na Alemanha, em 2003, retoma a forte tradição dos contos estabelecida com o Romantismo, de que os Irmãos Grimm foram importantes mentores. Na adaptação para a edição portuguesa, Maria Nóvoa decidiu suprimir alguns contos cujos motivos se repetiam, sobretudo alemães, e substituí-los por contos tradicionais portugueses – procurando-os directamente nas colectâneas de Adolfo Coelho, Consiglieri Pedroso e Leite de Vasconcelos. Organizada em 12 volumes temáticos, não numerados (para poderem ser adquiridos individualmente), a colecção prolongar-se-á durante 2010, num exclusivo Círculo de Leitores. Eis os títulos: De Feiticeiros e Bruxas, De Fadas e Elfos, De Príncipes e Fidalgos, De Gigantes e Ogres, De Animais Bons e Maus, De Rapazes e Raparigas, De Amor e Desamor, De Animais Mágicos e Plantas Maravilhosas, De Sereias e Espíritos da Água, De Anões e Gnomos, De Monstros, Dragões e Cães do Inferno e De Imperadores, Reis e Califas.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

BABA YAGA, A TERRÍVEL


Fundada no Porto, na década de 1930, a Editora Educação Nacional cedo se vocacionou para o livro escolar, mas foram os álbuns de literatura para crianças em grande formato que a tornaram notada nos últimos dois ou três anos. Num catálogo restrito e criterioso, aparentemente indiferente à síndrome da bulimia editorial, sobressaem os títulos da dupla Taï-Marc Le Than/Rébecca Dautremer, escritor e ilustradora unidos para lá dos vínculos profissionais. Quem gostou de Cyrano, retrato inconvencional de Cyrano de Bergerac, vai provavelmente achar superlativo o novo Elvis, uma biografia ilustrada e muito livre de... é fácil adivinhar. A figura feminina na capa é só para confundir; Elvis só há um. Também de Taï-Marc Le Than e Rébecca Dautremer, saiu ao mesmo tempo Baba Yaga, uma história perversa à volta de uma personagem igualmente perversa, espécie de bruxa do folclore eslavo que há muitas gerações aterroriza os meninos que não querem comer a sopa. A ilustradora tem ainda outros trabalhos de grande qualidade – Apaixonados, Nasredin, Nasredin e o Seu Burro, Princesas Esquecidas ou Desconhecidas –, também já traduzidos pela Educação Nacional. Para a semana estreia-se em França o filme animado Kerity – La Maison des Contes, com desenhos de Rébecca Dautremer. Passará pelas nossas salas de cinema? Aqui fica uma pequeníssima amostra.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

CUESTA MUCHO SER AUTÉNTICA



"Me llaman la Agrado, porque toda mi vida solo he pretendido hacerle la vida agradable a los demás. Además de agradable, soy muy auténtica. Miren que cuerpo, todo hecho a medida: rasgado de ojos 80.000; nariz 200, tiradas a la basura porque un año después me la pusieron así de otro palizón... Ya sé que me da mucha personalidad, pero si llego a saberlo no me la toco. Tetas, 2, porque no soy ningún monstruo, 70 cada una pero estas las tengo ya súper amortizás. Silicona en labios, frente, pómulos, caderas y culo. El litro cuesta unas 100.000, así que echar las cuentas porque yo, ya las he perdio... Limadura de mandíbula 75.000; depilación definitiva en láser, porque la mujer también viene del mono, bueno, tanto o más que el hombre! 60.000 por sesión. Depende de lo barbuda que una sea lo normal es de 2 a 4 sesiones, pero si eres folclórica, necesitas más claro... bueno, lo que les estaba diciendo, que cuesta mucho ser auténtica, señora, y en estas cosas no hay que ser rácana, porque una es más auténtica cuanto más se parece a lo que ha soñado de si misma."

(monólogo de Agrado/Antonia San Juan no filme Todo Sobre Mi Madre, de Pedro Almódovar)

domingo, 6 de dezembro de 2009

COMBOIO DE LIVROS



Aqui há tempos zanguei-me com uma campanha de promoção da leitura realizada pelo New Zealand Book Council que dissecava a literatura em retalhos power-point. Há quem goste e há quem não goste. É um direito; só quem pensa pela sua cabeça conquista o amor dos livros. Pelas mesmíssimas razões, ainda que nos antípodas, adorei esta campanha com animação em papel recortado, também do NZBC, cujo mote é "Where books come to life". Comovente e muito bem feita, é o mínimo que se pode dizer. Mais informações sobre o autor do texto, o escritor Maurice Gee, podem ser lidas aqui.

(Ah, o link foi enviado por uma colega do curso de Pós-Graduação em Livro Infantil, a designer Helena Gonçalves, com quem o ano passado – lectivo – me cruzei também no blogue quase homónimo.)

AINDA HÁ LUGARES?


Não sabemos. Um curso de escrita criativa com Alice Vieira não acontece todos os dias. Este vai ser de 11 de Janeiro a 10 de Fevereiro de 2010, às segundas e quartas, entre as 18h30 e as 20h30. As inscrições estão abertas até ao dia 19 de Dezembro e fazem-se através do telefone 214 272 294 ou pelo e-mail igarcez@caminho.leya.com (contacto: Isabel Garcez). Já agora, lembramos que a sessão comemorativa dos 30 anos de carreira de Alice Vieira, um dos highlights de 2009 no campo da literatura infanto-juvenil, está marcada para o Jardim de Inverno do Teatro S. Luiz, em Lisboa, dia 16 de Dezembro, às 17h00. Apostamos que não vão faltar fãs. Como nós, por exemplo.

sábado, 5 de dezembro de 2009

WITTGENSTEIN, MON AMOUR

"As palavras do filósofo que queria ser lido lentamente ainda hoje rangem no sótão do nosso espírito." A Namorada de Wittgenstein explica neste belo texto as razões de uma paixão antiga.

A FABULOSA CIÊNCIA DOS MONSTROS


Monstrologia
Texto e projecto gráfico de Templar Company
Vários ilustradores
Tradução de Manuel Ruas
Livros Horizonte

O livro começa nas guardas, onde se colou um pequeno envelope fechado com destinatário à vista: “Para uns raros espíritos intrépidos”. Quantos leitores se poderão gabar deste traço de carácter próprio dos exploradores e aventureiros de outrora? Especialmente para eles, o Dr. Ernest Drake (n. 1822) legou um estudo pormenorizado em “Monstrologia”, ciência que consiste “no estudo dos muitos animais supostamente míticos que não são dragões”. Em terra, na água ou no ar, há mais de 60 mil espécies de animais fabulosos em todo o mundo; e se alguns “são, de facto, fictícios”, já “o unicórnio é uma realidade”. Será? Escrito com elegância e charme retro, Monstrologia é uma fantasia dentro da fantasia, ilustrada por uma série de virtuosos e assinada por autor não identificado (mas o pseudónimo Ernest Drake fica-lhe bem). Os pormenores tridimensionais – a imitar crina de unicórnio ou cinzas de ninho de Fénix – são deliciosos. Da Livros Horizonte, “editores de livros raros e invulgares”, leiam-se também Dragonologia, Egiptologia, Piratologia, Mitologia e Magologia, todos na mesma colecção.

(Texto publicado na LER nº 86)