segunda-feira, 30 de novembro de 2009

LUÍSA COSTA GOMES: "É TÃO SIMPLES PERCEBER O QUE É UM LIVRO BOM"


Em entrevista à Notícias Magazine deste domingo, Luísa Costa Gomes fala do último livro, Ilusão (Ou o Que Quiserem), da sua experiência como escritora e professora, dos hábitos de leitura, de Portugal e dos portugueses, da vida e do mundo em geral. Certeira e lúcida, as usual. Gostaria de ter publicado este post ontem, mas só há pouco consegui o texto em word. Aqui ficam alguns excertos. A entrevista foi conduzida por Elisabete Pato.

[Sobre o último livro:]

NM: Ela é professora. São marido e mulher.
LCG: Eles são casados e vivem juntos há 12 anos. Estão a tentar sobreviver à relação, que está deprimida. Ela acaba por ter um search pedagógico, que a leva a sair de casa e ser mais professora, estar mais próxima dos alunos. É um livro sobre a mentira e sobre a falsificação da realidade. Toda a gente mente. Toda a gente está sempre a dizer coisas numa linguagem mágica em que se julga que por se dizer as coisas, elas ficam resolvidas. Há de facto todo um investimento na linguagem como sistema mágico de transformação da realidade. É isso que satirizo no romance e que, profundamente, me diverte.

[Sobre a escola e os alunos:]

NM: Qual é maior riqueza em dar aulas?
LCG: É o contacto com os alunos. Os miúdos são normalmente interessantes. Para mim, as crianças são pessoas interessantes.

NM: Porque ainda estão, digamos, "em bruto"?
LCG: Não sei porquê. Por exemplo, são muito mais interessantes do que os adolescentes. As crianças ainda não estão massificadas, ainda não têm a imaginação formatada. Para mim é muito deprimente ouvir contar a mesma historia uma vez e outra e outra. Os adolescentes não só não têm imaginação como não sabem o que é ter imaginação. Não há sequer o sentimento de uma falta. O que é importante é o formato. É ser igual a toda a gente, é pertencer a um grupo, a um clã. E as crianças ainda têm criatividade.

NM: É fácil combater com estórias literárias as novas tecnologias e o facto de as crianças verem mais televisão e mais cedo?
LCG: Sim, é. Não é nada difícil pôr uma criança a ler ou a discutir o livro de uma maneira interessante e original. Há, sobretudo, entusiasmo nas crianças. É o que me dá alegria de viver. A curiosidade e aquela efervescência....

[Sobre a leitura e os livros:]

NM: Os portugueses são muitas vezes acusados de falta de hábitos de leitura. Como é que olha para isso?
LCG: É um problema complexo. Nós passámos do analfabetismo para uma fase de iliteracia. Tínhamos uma população completamente analfabeta, ninguém lia. Lembro-me que em 1975 a média de leituras era de um livro por pessoa, por ano, e isso acho que mudou. As pessoas lêem muito mais, mas maus livros, que não interessa ler. Isto é politicamente incorrecto dizer. Tenho tido muitas discussões com professores e responsáveis, que consideram que o que é importante é ler, o que quer que seja. Na minha opinião, isso é uma perversão da leitura porque, provavelmente, as pessoas pensam que estão a ler e não estão. Estão a ver televisão, Quando uma pessoa está a ler O Código Da Vinci, está de facto a ver televisão. A leitura implica alguma actividade, algum esforço. Isto é muito impopular dizer, mas é a minha opinião. Penso que o leitor faz-se primeiro com alguma indiscriminação. Quando era miúda também lia tudo o que me passava à frente e depois fui percebendo o que é que era bom. Agora, e isto é provavelmente uma grande arrogância, sou completamente incapaz de ler um livro mau.

NM: O que é um livro bom, para si?
LCG: Almas Mortas [1842], de [Nikolai] Gogol; A Cidade e as Serras [1901], de Eça de Queiroz, por exemplo. É tão simples perceber o que é um livro bom. É um livro extremamente bem escrito, importante, influente, que fez uma época, marcou pessoas de uma forma esteticamente fecunda. Não é um livro que é feito industrialmente, segundo um formato, igual aos outros todos.

[Sobre a vida portuguesa:]

NM: Sente-se bem a viver em Portugal?
LCG: Muito bem. Adoro viver aqui e sempre que vou ao estrangeiro, no regresso agradeço a Deus ter-me feito nascer aqui. É um país que tem tudo o que eu acho importante: paz, silêncio, mar, muitas praias maravilhosas, um clima extraordinário, com pessoas que não são ainda impelidas pelo trabalho, pelo ganhar dinheiro. Estamos a caminhar para lá, mas ainda não estamos completamente civilizados.

NM: Apesar de muitas vezes os portugueses serem conotados com a tristeza, a melancolia ...
LCG: Não acho, pelo contrário. Hoje em dia, não sei se é dos anti-depressivos ou dos brasileiros, estamos muito mais alegres. Acho que deixou de haver uma caução social sobre a tristeza. Nós já não temos paciência para as pessoas que se queixam permanentemente, que estão muito tristes. Isso é curioso porque criou uma culpabilização em relação à tristeza. As pessoas hoje em dia não conseguem estar tristes porque toda a gente está sempre com um pensamento muito positivo e isso obriga as pessoas a serem positivas. Há uma indústria do optimismo e do pensamento positivo que é ela própria muito deprimente.

NM: Identifica-se com a política portuguesa ou não lhe liga?
LCG: Ligo muito pouco. Sou muito egoísta nesse ponto. Ligo às pessoas que estão à minha volta, ao meu bairro, se for precisa alguma coisa podem contar comigo. Em relação às coisas gerais, sou muito egoísta. Tenho pouco tempo. Vivo muito envolvida com aquilo que estou a fazer, quer dizer, só consigo trabalhar e escrever quando estou completamente obcecada e envolvida. Não consigo estar a fazer uma manifestação e ao mesmo tempo a escrever. O meu trabalho não me isola, mas é aquilo que é importante para mim.

domingo, 29 de novembro de 2009

O CAMALEÃO


Olha, olha bem para ele.
Em primeiro lugar, a pele,
que na perfeição copia
as cores todas do dia.

Depois... parece que avança,
finge que vai e não vai,
e o seu corpo balança,
um tanto em jeito de dança,
um tanto "cai e não cai".

E os olhos? Fazem inveja.
À sua frente, ao lado, atrás,
nada passa que ele não veja.
Não sei de quem disto seja,
mesmo em sonhos, capaz.

Mas nunca a pele cambiante,
o passo lento, farsante
e o olhar movediço
lhe fariam grande serviço
e o livrariam da míngua
se, shluuup, não fosse a língua.

"Olha, olha, um gafanhoto."
Shluuup, lá foi, já está no goto.

(um poema de Raul Malaquias Marques, do livro De Sol a Sonho, Caminho, 2009)

sábado, 28 de novembro de 2009

ILUSTRARTE 09


Na próxima quarta-feira, 2 de Dezembro, no Museu da Electricidade, o júri do Ilustrarte revela os 50 eleitos entre mais de 1000 candidaturas. É claro que vamos estar lá.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A MÁQUINA DE ESCREVER DE MARK TWAIN


É uma verdade absolutamente reconhecida que o primeiro escritor a dactilografar um romance foi Mark Twain. Errado, diz John Sutherland. O professor universitário, crítico literário e autor de livros como Is Heathcliff a Murderer? e Can Jane Eyre be Happy? explica porquê em Curiosities of Literature.

O que tem em comum o poema épico Beowulf com Carrie, de Stephen King, e o que aproxima esses títulos de A Revolução Francesa, de Thomas Carlyle, e Stephen Hero, de James Joyce? Representam os gostos eclécticos de um leitor? Não exactamente. A resposta certa é: o facto de todos terem passado pela iminência da destruição – no caso de Carlyle, sem lhe conseguir escapar. Se não houvesse duas mulheres atentas, por fé ou desespero, os textos originais de Carrie e Stephen Hero teriam conhecido um fim mais doloroso do que o estado mental de quem os engendrou. E se o manuscrito de Beowulf se salvou das chamas in extremis, sobrevivendo apenas com os cantos chamuscados, já as primeiras 260 páginas da empreitada de Carlyle não tiveram a mesma sorte, servindo de material ardente em casa do amigo John Stuart Mill. Por descuido, acrescente-se. Uma compensação de cem libras e um novo stock de papel ajudaram a que A Revolução Francesa se reerguesse das cinzas.

A relevância desta e de tantas outras informações prende-se com a curiosidade que se possa ter por uma visão dessacralizada da literatura; e também com a atracção por um certo tipo de conhecimento disperso, fragmentado e mais ou menos aleatório. Reunidas as condições, o gosto pelo saber enciclopédico e algum espírito de coleccionador garantem, à partida, a leitura grata de um livro que foi procurar o seu mais directo antecedente ao século XVIII. Em 1791, Isaac D’Israeli, pai do futuro primeiro-ministro inglês, publicava o primeiro volume de Curiosities of Literature, uma colectânea de pequenos textos agregados pela erudição literária e por um humor discreto e saborosamente irónico. John Sutherland cita-o directamente, trazendo um aggiornamento à tradição.

D’Israeli nomeou obras como o Inferno de Dante, a Utopia de Thomas More ou As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, para ilustrar casos em que fantasias alegóricas foram entendidas como realidades de um mundo tangível. «A simplicidade da época» explica a ingenuidade dos leitores, segundo D’Israeli. Contudo, em 1997, lembra Sutherland, conceituados críticos literários norte-americanos tomaram como verídicos os anexos e a bibliografia do romance O Fardo do Amor, de Ian McEwan, em que este justifica o comportamento obsessivo da sua personagem com as opiniões científicas de uns tais Wenn & Camia, alegadamente reproduzidas da British Review of Psychiatry. Os críticos assinalaram a «insuficiente imaginação» de Ian McEwan – ou seja, dos próprios Wenn & Camia, depois de repostas as letras na sua forma original – e levaram à letra as intenções de um anagrama.

What’s in a name?, perguntou Shakespeare. Aquele a quem chamamos David Herbert Lawrence poderá ser o mesmo que escreveu O Amante de Lady Chatterley? Sutherland, um inglês na América, confessa a sua dificuldade em explicar aos alunos de literatura as regras e convenções que presidem à citação dos autores. Mais etiqueta, menos wikipedia, talvez. «Os títulos honorários são um desafio terrível», diz: «Por que é que ‘Sir Stephen Spender’ é abreviado para ‘Sir Stephen’ e não ‘Sir Spender’, enquanto ‘Lord Byron’ nunca é ‘Lord Gordon’?». A questão dos nomes reaparece ao longo dos 12 capítulos do livro, que começa com curiosidades à volta da comida e termina, naturalmente, com o tema da morte. Pelo meio, surgem os cigarros Du Maurier, a máquina de escrever de Nietzsche e o manuscrito recuperado do túmulo por Rossetti. Da aparição do primeiro caldo Knorr na literatura, com E.M. Forster, ao efeito Werther, o best-seller que foi também um best-killer (dois mil suicídios de leitores de Goethe), há aqui alimento bastante para bibliófilos convictos. Ou apenas leitores curiosos.

(Curiosities of Literature, John Sutherland, Random House Books)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

COMO CONTAR HISTÓRIAS


No próximo sábado, 28 de Novembro, a contadora de histórias Elsa Serra desvenda algumas das técnicas do métier junto de um grupo de 15 participantes. Professores, educadores, técnicos de bibliotecas, animadores, pais e mediadores de leitura constituem o público-alvo, numa acção que decorrerá das 14h00 às 17h00, na Casinha de Porta Azul, ao Miradouro de Santra Luzia, em Lisboa. O ateliê custa 20 euros. Mais informações no blogue Alfinete de Dama.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

AGENDA DO DESCONCERTO


"O desconcerto do mundo começa pelo que vai ficando por consertar. Uma torneira que pinga, uma porta que descai, uma gaveta que empena. Há os desconcertos tranquilos, com os quais podemos conviver meses inteiros sem perder horas de sono, e há os outros, mais agudos, que nos desarrumam as ideias e contribuem devagarinho para o nosso desconcerto interior, o mais terrível de todos, para o qual não há parafusos, arrebites, bananas ou batoques que nos valham. O problema é que manter o mundo a funcionar dá muito trabalho."

A Agenda 2010 da Planeta Tangerina vem mesmo a calhar, numa altura em que este jardim precisa de descer à terra. A casa Rufino & Filhos – drogaria, ferragens e bricolage – tem soluções para tudo (desde 1948). Basta folhear as páginas de Janeiro a Dezembro e procurar no vocabulário poético-utilitário o remédio para o nosso desconcerto momentâneo. Vejamos: uma fita anti-derrapante ou um sargento esquina? Uma vassoura de ripa-pau ou um pé de cabra? Um martelo de orelhas ou um fio do norte? Se nada funcionar, atente-se no conselho do Sr. Rufino: "Mais trabalho, menos conversa." Resulta sempre.

Ver no blogue da Planeta Tangerina.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

MUSEU DAS HISTÓRIAS

Se a campanha de angariação de fundos continuar assim, um museu das histórias poderá nascer em Oxford, no ano 2014. Uma boa notícia só agora apanhada no Cadeirão Voltaire.

1O1 BLOGUES SOBRE LIVROS

Quais são os melhores 101 blogues sobre livros? A lista possível aqui. Via Beattie's Book Blog.

DEPOIS DA TEMPESTADE VEM A TEMPERANÇA

Dez dias no Alentejo causaram efeitos inesperados n'O Jardim Assombrado, visíveis na irregularidade e ausência de posts durante a última semana. Nada de admirar. Embora goste de cultivar a disciplina dos canteiros, este jardim é permeável às forças da Natureza, estranhamente ingovernáveis.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

DOURO VINTAGE



Depois das duas últimas incursões ao Douro, entre a Régua e Vila Nova de Foz Côa, o jardineiro honorário deste blogue assinou a produção caseira que está desde ontem em cena no You Tube.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

APRENDER COM MANAWEE


O texto sobre a presença dos animais na literatura infantil, originalmente publicado na Notícias Magazine, pode agora ser lido no site da Casa da Leitura. Aqui.

O MEU PRIMEIRO MIGUEL TORGA


"Miguel Torga (1907-1995) foi um admirável escritor da literatura portuguesa, com uma maneira única de contar, de falar de si e de captar, em verso e em prosa, os pequenos e grandes momentos da vida. E a sua foi uma vida invulgar. Neste livro, a escrita de João Pedro Mésseder e as imagens de Inês Oliveira dão a conhecer o fascínio que Torga sentia pelas palavras, pelo país, pelos bichos, pelas crianças e pelos seus semelhantes. E também pelo "reino maravilhoso" onde nasceu."

Com texto de João Pedro Mésseder e ilustrações de Inês Oliveira, O Meu Primeiro Miguel Torga vem juntar-se à colecção da Dom Quixote iniciada em 2005. Quem morar na zona do Porto está mais perto de ir ver a mostra de ilustração da autora, patente na livraria Papa-Livros (Rua D. Manuel II) de segunda a sábado, das 10h00 às 19h00. Até 6 de Dezembro.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

CITY-BREAKS: ALENTEJO


O Jardim Assombrado vai mudar de ares e apanhar as folhas do Outono. Regressa no dia 16 de Novembro. Até lá!
(Fotografia de Guto Ferreira.)

FOI HÁ 25 ANOS


“Os grupos Táxi e Jáfumega não gravaram nenhum disco este ano, já que segundo António Pinho, responsável pelo sector nacional da gravadora das bandas, elas consideravam que não tinham «hit» para editar. Assim, Táxi e os Jáfumega não viram concretizados para vinil nenhum dos temas novos, muitos deles apresentados este ano em concertos ao vivo. As duas bandas foram as grandes ausências do mercado discográfico português de 1984.”

Notícia publicada no primeiro número do jornal Blitz, faz hoje precisamente 25 anos. Guardo-o religiosamente e acompanha-me a cada mudança de casa, apesar de já muito velhinho. Em formato de revista desde há uns anos, a edição especial de Novembro (nunca me habituei a dizer “a Blitz”) está aí nas bancas. Vale sempre a pena reconhecer a nossa história. E prestar-lhe homenagem.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

NOVOS EPISÓDIOS DA LUTA DE CLASSES


O Pato Camponês
Martin Waddell
Ilustrações de Helen Oxenbury
Caminho

Continuam a sair novos títulos da colecção Borboletras, objectos de capa mole e qualidade à prova de bala, para combater a ideia de que os livros para crianças “são muito caros”. De Martin Waddell, escritor da Irlanda do Norte contemplado com o Prémio Hans Christian Andersen de 2004, O Pato Camponês é uma interpretação da luta de classes superiormente ilustrada pelas aguarelas de Helen Oxenbury, a mesma de Vamos à Caça do Urso (Caminho, 2004). Aqui se conta como, graças a um plano bem bolado, os animais de uma quinta em decadência conseguem correr com o seu imprestável dono, acabando com a exploração do pato que é pau para toda a obra. Se as cores também se revoltam, passando dos tons lúgubres à luminosidade, o delinear da estratégia é um dos momentos altos de um texto que nunca perde o ritmo, e Martin Waddell economiza palavras com um golpe de génio: “– Muu!, disse a vaca. – Méé!, disseram as ovelhas! – Cácárácá!, disseram as galinhas. E esse é que era o plano.” E funcionou.

(Texto publicado na LER nº 85)

SOBRE CÃES E GATOS


Muito dinheiro público seria poupado em ansiolíticos e antidepressivos se toda a gente tivesse um casa com jardim e um animal ao seu lado. Viver amontoado em apartamentos não dá saúde a ninguém, é certo e sabido. Como poucos têm a sorte de morar no campo – com qualidade de vida – ou de passar os fins-de-semana em turismos rurais, ter um gato ou um cão ainda representa a possibilidade mais imediata de ligação à Natureza, sem a qual me parece difícil funcionar com o mínimo de serenidade e, ocasionalmente, ser feliz. Talvez isto seja “conversa da treta” para muita gente, mas para mim é uma questão de convicção e de valores. Valores fortes. Acredito que o estudo da vida emocional dos animais e do seu impacto nos seres humanos ainda nos trará conclusões a que já deveríamos ter chegado, intuitivamente; e este livro, Wild Justice: The Moral Lives of Animals (via Bomba Inteligente), é mais uma contribuição. Relevante é também o doutoramento de Isabel Marques, que analisou o papel dos animais em contexto terapêutico junto de casos de esquizofrenia, psicoses e outros distúrbios graves. Sobre este assunto, saiu uma reportagem no Público de segunda-feira que ainda pode ser lida aqui. Para outro género de leituras, sugiro um livro que reúne o pensamento de Eckhart Tolle e os desenhos Patrick McDonnell, o autor da BD Mutts, intitulado Guardiões do Ser (ed. Pergaminho). Não é para crianças nem para adolescentes nem para adultos – é para todos. É para quem entenda, ou queira entender, que a Natureza e os animais têm muito para nos ensinar sobre nós mesmos e sobre os outros. Se isso não é importante, então não sei o que é importante. Talvez discutir a cuspidela da Maitê Proença, sei lá.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

AUTOBIOGRAFIA IMAGINÁRIA


"Nasci quando os meus pais já não se amavam. Cristina, a minha irmã mais velha, era nessa altura uma rapariguinha altiva, cujo simples olhar me tornava culpada de qualquer misteriosa ofensa contra a sua pessoa, que nunca consegui decifrar. Quanto aos meus irmãos Jerónimo e Fabián, gémeos e cheios de acne, não me ligavam nenhuma. De forma que os primeiros anos da minha vida foram bastante solitários. Uma das minhas mais antigas recordações remonta à noite em que vi correr o Unicórnio que vivia emoldurado na reprodução de uma famosa tapeçaria. Com assombrosa nitidez, vi-o começar a correr e desaparecer por um canto da moldura para reaparecer de imediato e retomar o seu lugar: lindo, branquíssimo e enigmático. Nunca soube por que razão o Unicórnio tentara fugir do quadro e isso intrigou-me durante muito tempo, e até me atemorizou um pouco. Por aqueles dias eu não devia ter mais de cinco anos – talvez apenas quatro –, mas essa recordação tem um lugar relevante entre as primeiras da minha vida. Às vezes, as recordações parecem-se com alguns objectos, aparentemente inúteis, pelos quais sentimos um confuso apego. Sem saber muito bem por que razão, não nos decidimos a deitá-los fora e acabam por se amontoar no fundo dessa gaveta que evitamos abrir, como se lá fôssemos encontrar alguma coisa que não desejamos, ou inclusive tememos vagamente."

(Excerto do primeiro capítulo do livro Paraíso Inabitado, de Ana María Matute, nome grande das letras espanholas que também deixou uma marca indelével na literatura para crianças. Uma edição Planeta.)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O GALO CANTA DE GALO


Canta o Galo Gordo – Poemas e Canções Para Todo o Ano, de Inês Pupo e Gonçalo Pratas (ed. Caminho), ganhou o prémio de Melhor Ilustração para Livro Infantil no último Amadora BD, em que também estavam nomeados Bernardo Carvalho (As Duas Estradas), Peter Newell (O Livro Inclinado), Luís Henriques (Sabes, Maria, o Pai Natal não Existe), Korky Paul (O Tapete Voador da Mimi) e Susanne Janssen (A Incrível História da Menina Pássaro e do Menino Terrível). O mérito vai para Cristina Sampaio, uma das mais reconhecidas ilustradoras e cartonistas portuguesas. Mais pormenores biográficos na informação enviada pela editora:

"Cristina Sampaio nasceu em Lisboa. Em 1985 licenciou-se em pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Ilustra livros infantis desde 1987 e trabalha desde 1986 como ilustradora e cartonista para diversas revistas e jornais em Portugal e no estrangeiro (entre outros, Público, Expresso e Diário de Notícias, em Portugal; Courrier International, em França; Boston Globe, Wall Street Journal e New York Times, nos EUA.) Trabalhou em cenografia, multimédia e animação. As suas ilustrações foram apresentadas em várias exposições colectivas e individuais, em Portugal, no Brasil, na Alemanha, França, República Checa e Grécia. Em 2002 e em 2005 foi-lhe atribuído pela Society of News Design (EUA) o Award of Exellence. Em 2006 recebeu o Prémio Stuart de Desenho de Imprensa na categoria de Cartoon/Caricatura. Em 2007 foi-lhe atribuído o 1.º Prémio na categoria de cartoon editorial do World Press Cartoon."

20 ANOS EM 90 MINUTOS


Qual é o cúmulo da gula intelectual? Devorar em 90 minutos aquilo que pode saborear em 20 anos. De Henrik Lange, está aí a chegar 90 Livros Clássicos Para Pessoas com Pressa (ed. Presença). “Em quatro vinhetas, contamos-lhe toda a história, uma espécie de romance destilado, para que consiga ler 90 livros numa hora.” Eis alguns da lista:

A Bíblia
Admirável Mundo Novo
, 1932, Aldous Huxley
Cidade de Vidro, 1987, Paul Auster
Drácula, 1897, Bram Stoker
Rambo, 1972, David Morrell
The Golden Notebook, 1962, Doris Lessing
O Grande Gatsby, 1925, F. Scott Fitzgerald
As Viagens de Gulliver, 1726, Jonathan Swift
À Boleia pela Galáxia, 1979, Douglas Adams
Cem Anos de Solidão, 1967, Gabriel Garcia Marquez
Em Busca do Tempo Perdido, 1913-1927, Marcel Proust
O Perfume: História de Um Assassino, 1985, Patrick Süskind
Cemitério das Mascotes, 1983, Stephen King
A Sombra do Vento, 2001, Carlos Ruiz Zafón
O Código Da Vinci, 2003, Dan Brown
O Senhor dos Anéis, 1954 e 1955, J.R.R: Tolkien
O Processo, 1925, Franz Kafka
Crime e Castigo, 1866, Fiódor Dostoiévski
Dom Quixote de La Mancha, 1605, Miguel de Cervantes
Orgulho e Preconceito, 1813, Jane Austen
O Alquimista, 1988, Paulo Coelho

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

... DA FRENTE


Por causa do António Sérgio, subi ao sótão para procurar um velho fanzine dos anos 80, o …Da Frente, escrito e editado pelo João Reis (que depois se tornou actor), com a colaboração de mais alguns indefectíveis melómanos. Esta é a capa do nº 4, com data de Abril-Maio de 1985. Lá dentro, dactilografados numa letrinha minúscula, havia poemas de produção caseira e artigos sobre os GNR, Cocteau Twins, This Mortal Coil, The Smiths, Ezra Pound e a Loucura, Leonard Cohen, Tones on Tail, Bauhaus, Tom Waits, Julian Cope, Echo & The Bunnymen e Rita Mitsouko. O …Da Frente vendia-se, entre outros locais, na Livraria Castil do Centro Comercial Alvalade, em Lisboa, e na Discoteca Tubitek, no Porto. Custava 40 Escudos. Tudo isto fez parte do meu crescimento e tudo isto me continua a assombrar, tal como a voz do António Sérgio, desde ontem. Esta canção é para ele.