sexta-feira, 25 de julho de 2014

DESENCONTROS


Um bom leitor sentirá um final feliz forçado como uma condescendente traição por parte do autor. A menos que já saiba «ao que vai», não tendo razões para se sentir enganado, nesse caso. A melhor literatura evita clichés, contraria padrões e remete o leitor para esse campo crítico da subjectividade onde não existem respostas certas ou erradas, boas ou más. É isso que este livro de Jimmy Liao, Desencontros (Kalandraka), um misto de picture book e de novela gráfica, consegue fazer de forma exemplar, desconstruindo a previsibilidade do vulgar enredo boy meets girl.

Vemos como as vidas paralelas de dois seres perdidos no labirinto da cidade se cruzam, por acaso, num jardim; e vemos também como, por um caprichoso imprevisto, se voltam a separar. Ficarão juntos, como secretamente desejamos, se acreditarmos no amor? Há indícios deixados pelo autor que podemos ou não ignorar: os cisnes de pedra retirados do jardim, presos pelo pescoço; ou, mais explícito, o sinal partido da paragem de trânsito quando ambos se reencontram, finalmente. São indícios de que algo vai acabar mal. Contudo, inspirados pela vida, tendemos a não prestar atenção a esses indícios e a substituí-los por outros que não colidam com a inquietação provocada pelo amor. Porque não há amor tranquilo, a não ser ao fim de muitos encontros. Talvez.

A resposta a estes Desencontros está no cenário da página dupla quase final, a lembrar as composições de Martin Handford e Onde Está o Wally? É uma festa de passagem de ano onde os dois protagonistas estão presentes. Basta procurar. Quanto à imagem dos dois guarda-chuvas junto à ficha técnica, na última página, é uma espécie de faixa escondida do disco; não faz parte da história. Ou faz? A cada leitor a sua interpretação. No fim, compreende-se o poema que Jimmy Liao escolheu para abrir o livro:

Estão ambos convencidos
de que uma súbita paixão os uniu
É bela essa certeza mas a incerteza
é ainda mais bela.

Wislawa Szymborska, «Amor à primeira vista»

terça-feira, 22 de julho de 2014

MARY SHELLEY PARA CRIANÇAS


Alguma editora portuguesa poderia fazer o favor de publicar o único conto para crianças escrito por Mary Shelley, dois anos depois do clássico Frankenstein? Datado de Agosto de 1820, quando ela estava prestes a completar 23 anos, Maurice, or the Fisher's Cot: a Tale só foi descoberto por acaso em 1997, numa casa particular na Toscânia, e publicado no ano seguinte. Como então se explicou, o interregno de 177 anos sucedeu à desaprovação do pai de Mary Shelley em relação ao manuscrito: por razões editoriais e pessoais, William Godwin, também autor e editor de livros para crianças (além de reputado filósofo), censurou o texto da filha, com quem andou de candeias às avessas depois da sua (literal) escapadela romântica, aos 17 anos, com o poeta Percy Shelley. Tiveram três filhos, todos falecidos prematuramente; e rodearam-nos outras perdas de crianças, tema que subjaz a Maurício ou a Cabana do Pescador, traduzido no Brasil há poucos meses. Não sei, mas uma história que começa com um miúdo solitário a assistir a um funeral promete ser boa. Ainda que, como adverte a Folha de S. Paulo, «frases complicadas e palavras difíceis, como "conquanto", "goivos", "gerânios" e "olmos"» pipoquem pelo texto. Não faz mal: daremos conta delas. É que gostaríamos mesmo de ver Mary Shelley pipocando por aqui.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

A MULHER QUE VOTOU NA LITERATURA


Uma das razões por que O Jardim Assombrado esteve em pousio prende-se com esta distinta senhora: Ana de Castro Osório (1872-1935). O seu contributo para a emancipação da mulher foi essencial, bem como a visão articulada e muito «profissional» da literatura infantil. Escritora, editora, jornalista, ensaísta, pedagoga, feminista, maçónica, republicana... Não foi fácil juntar tantas pontas para escrever mais uma biografia da colecção Grandes Vidas Portuguesas, da Pato Lógico. Mas está feita; e agora nas mãos de Marta Monteiro, ilustradora e autora de Sombras, um dos meus favoritos de 2013, também publicado pela Pato Lógico e recentemente distinguido pela revista Communication Arts.

sábado, 19 de julho de 2014

IRMÃO LOBO NO PNL


Saíram ontem as listas de 2014 do Plano Nacional de Leitura. Irmão Lobo ficou recomendado (e muito bem) para o 3º Ciclo - Leitura Autónoma. Aqui. Não é um livro para crianças, mesmo.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

AS REGRAS DO VERÃO


As Regras do Verão (Rules of Summer) é o quarto livro de Shaun Tan publicado pela Kalandraka, depois de Emigrantes, A Árvore Vermelha e A Coisa Perdida. Os dois primeiros estão, para mim, na categoria dos superlativos. O terceiro e e este, um pouco menos. Gosto especialmente desta regra, aliás, válida para todo o ano: «Nunca esperes por uma desculpa.»

quarta-feira, 16 de julho de 2014

FESTA TANGERINA


Amanhã há mais uma das sumptuosas festas da Planeta Tangerina... e em Lisboa. Dois livros novos do catálogo são a pièce de résistance: Supergigante, de Ana Pessoa e Bernardo Carvalho (ilustrações), na colecção Dois Passos e um Salto; e Com o Tempo, de Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso (ilustrações). Aposto que vai ser um belo fim de tarde.

terça-feira, 15 de julho de 2014

ALEGRAR A ALMA, CULTIVAR O JARDIM


Este blogue não é sobre jardinagem, ao contrário do que uma jornalista da RTP afirmou em directo num telejornal, proporcionando-me uma tremenda lição de fair-play. Vem a propósito do colóquio marcado para amanhã, 16 de Julho, na Biblioteca Nacional, onde se falará da influência da arte dos jardins na literatura, na ensaística, no pensamento, na arquitectura e noutras áreas mais terrenas. O programa completo está aqui e os trabalhos começam às 10h00. Noutra sala, a BN dá a conhecer o seu acervo de livros sobre jardins e botânica, na exposição em curso até 31 de Julho. Para ambos os casos, a entrada é livre. 

terça-feira, 1 de julho de 2014

PAUSA PARA BALANÇO


Por razões várias, O Jardim Assombrado vai ficar em pousio por duas ou três semanas. As minhas desculpas aos passeantes regulares e ocasionais.