Um bom leitor sentirá um final feliz forçado como uma condescendente traição por parte do autor. A menos que já saiba «ao que vai», não tendo razões para se sentir enganado, nesse caso. A melhor literatura evita clichés, contraria padrões e remete o leitor para esse campo crítico da subjectividade onde não existem respostas certas ou erradas, boas ou más. É isso que este livro de Jimmy Liao, Desencontros (Kalandraka), um misto de picture book e de novela gráfica, consegue fazer de forma exemplar, desconstruindo a previsibilidade do vulgar enredo boy meets girl.
Vemos como as vidas paralelas de dois seres perdidos no labirinto da cidade se cruzam, por acaso, num jardim; e vemos também como, por um caprichoso imprevisto, se voltam a separar. Ficarão juntos, como secretamente desejamos, se acreditarmos no amor? Há indícios deixados pelo autor que podemos ou não ignorar: os cisnes de pedra retirados do jardim, presos pelo pescoço; ou, mais explícito, o sinal partido da paragem de trânsito quando ambos se reencontram, finalmente. São indícios de que algo vai acabar mal. Contudo, inspirados pela vida, tendemos a não prestar atenção a esses indícios e a substituí-los por outros que não colidam com a inquietação provocada pelo amor. Porque não há amor tranquilo, a não ser ao fim de muitos encontros. Talvez.
A resposta a estes Desencontros está no cenário da página dupla quase final, a lembrar as composições de Martin Handford e Onde Está o Wally? É uma festa de passagem de ano onde os dois protagonistas estão presentes. Basta procurar. Quanto à imagem dos dois guarda-chuvas junto à ficha técnica, na última página, é uma espécie de faixa escondida do disco; não faz parte da história. Ou faz? A cada leitor a sua interpretação. No fim, compreende-se o poema que Jimmy Liao escolheu para abrir o livro:
Estão ambos convencidos
de que uma súbita paixão os uniu
É bela essa certeza mas a incerteza
é ainda mais bela.
Wislawa Szymborska, «Amor à primeira vista»