(...) Até hoje, não faltam versões truncadas, de remate feliz e singelo, em que os dois irmãos são acolhidos de braços abertos pelos progenitores, no retorno a casa. Nada mais falso. À parte o lado negro da história, provável reflexo da História com «agá» maiúsculo, quando a fome e o desespero podem conduzir ao impensável, Hansel e Gretel é também um caso em que os papéis tradicionais do masculino e do feminino se invertem, mudando o curso dos acontecimentos. Se Hansel é o pensador, o cérebro que congemina a estratégia de regresso a casa, primeiro com pedrinhas brancas e depois com migalhas de pão, Gretel é a executora da ação, protagonista do gesto decisivo de empurrar a bruxa para o forno em chamas. Aqui, a cooperação inteligente e astuciosa leva vantagem sobre a rivalidade bíblica entre irmãos. Morre a megera, libertam-se as crianças e enchem-se os bolsos de pedras preciosas e demais riquezas. A conquista da maturidade e uma carta de alforria, de uma só penada.
(Excerto do texto que escrevi para a LER nº 140, secção «Wendy no divã», desta vez com os irmãos Hansel e Gretel - um mais populares contos recolhidos pelos Grimm - como objecto de estudo psicológico.)
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