Do conjunto de ensaios reunidos por George Steiner em Os Livros Que Não Escrevi (Gradiva), houve um que me comoveu especialmente: Do Homem e do Animal. Steiner fala de um mundo em que os animais se tornaram “vítimas e escravos dos homens”, presas fáceis de uma violência que tem oscilado entre a obscenidade do massacre e a precisão cirúrgica do sadismo. Dos nossos aviários às quintas de peles na China vai apenas um passo de inconsciência.
“Não há, como já disse, um recanto da Terra onde, todos os dias e a todas as horas, os animais não sejam espancados, obrigados a trabalhar dolorosamente até à morte ou caçados por divertimento (…). É como se o homem estivesse possuído pela vontade de apagar todos os vestígios que possam restar de um paraíso perdido. Esses vestígios parecem trazer-lhe a recordação insuportável de uma perda primordial da inocência, de um tempo de camaradagem universal.” Para Steiner, a atenção crescente aos direitos dos animais está entre as “poucas conquistas morais da modernidade”, e isso é dizer muito. As contradições que assume são, afinal, as de gente como nós: “Como carne. Beneficio dos progressos médicos associados às experiências feitas em animais.” O livro que lhe faltou escrever implicaria enfrentar essas contradições e aproximar-se de inúmeras fórmulas do sofrimento, o equivalente a fazer “uma introspecção sem contemplações”. Como Steiner, também a maior parte de nós não tem “estômago para tanto”.
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