sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O PORTO NUM RELANCE


Descer a Rua dos Clérigos depois de entrar no Centro Português de Fotografia e sair logo a seguir, hoje estamos fechados, a livraria só abre a partir das quatro, ficar pela exposição dos bacalhaus secos na Casa Oriental, que felizmente não encerra à segunda-feira, atravessar para a Rua do Almada e parar na loja dos chocolates Arcádia, a comemorar setenta e cinco anos, apreciar o sortido de bombons, as embalagens retro, sair com uma caixa de línguas de gato setenta por cento chocolate preto, seguir adiante até à Praça D. Filipa de Lencastre, esquadrinhar as prateleiras da loja Alma Viva, levar mais uma agenda para 2009 e um cheiro a folhas de Outono para o roupeiro, hesitar entre um café no Aviz ou no Ceuta, acabar por ir a nenhum, correr até à Rua de Cedofeita para comprar um guarda-chuva, o tempo está bom para o negócio e melhor do que este não encontra, menina, é de fabrico alemão, dois anos de garantia, chove copiosamente e a salvação do dilúvio encontra-se debaixo de um tecto impermeável verde-azeitona, a caminho do CCB, na Rua Miguel Bombarda, o único centro comercial do país que vale a pena conhecer e não só pelo jardim de bonsais, há por exemplo uma loja que não é loja, é um espaço de leituras públicas, algumas estão afixadas na parede desde o último encontro, cito, “contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o feixe das trevas que provém do seu tempo”, Georgio Agamben, fim de citação, na mesa ao canto há restos de pão, figos e queijo, tudo seco, sequíssimo, ao contrário deste dia que rebenta em água debaixo de um céu plúmbeo, o Porto é uma cidade de Inverno, como Praga, o sol assenta-lhe mal, as gaivotas atravessam a rasar a Praça dos Leões, o mar estará revolto, apetece uma torrada e um galão tranquilos mas só há tempo para resgatar um salgado da montra da Padaria Ribeirinha, passar à porta da Lello e regressar à Livraria Caixotim, que estava fechada à hora de almoço, ficar ali um bocadinho a namorar os tinteiros antigos e sair depois em direcção aos alfarrabistas, à procura de uma recolha de contos populares da Figueirinhas que desapareceu nas trocas de casa, ou de mãos, ou de gostos, tanto faz, termina-se a tarde no Café Lusitano com uma taça de vinho branco, na rua já é de noite e continua a chover, o jantar pode esperar, a família pode esperar, o Metro pode esperar, hoje o meu coração é de granito, deixem-me estar sossegada, amanhã logo se vê.

PS – A fotografia foi tirada há uns anos. Ainda os automóveis circulavam no tabuleiro superior da Ponte D. Luís, onde agora só passa o Metro.

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