sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

OLHOS PARA LER


A crónica de opinião de Hugo Xavier, "A traição das traduções", publicada hoje no Blogtailors, tocou-me particularmente. Primeiro, porque também me incomodam as más traduções e deficientes/ausentes revisões, motivo imediato para deixar leituras a meio. O livro para crianças sofre especialmente com esta menoridade – sem trocadilhos –, e é no mínimo inquietante ver como as editoras, grandes e pequenas, cometem erros de palmatória. Estou a lembrar-me, por exemplo, de um livro de Anthony Browne, Os Três Porquinhos (Kalandraka), que consegue criar um verdadeiro efeito de anticlímax ao ter na última página “concerto” em vez de “conserto”. Há pouco tempo, citei na secção Leituras Miúdas (LER nº 76), um livro traduzido pela Sinais de Fogo, Fenómenos Arrepiantes. Na página 22, pode ler-se:

“Sempre se suspeitou que algumas pessoas eram capazes de causar o infortúnio a outras praticando bruxaria, sendo perseguidas ou mortas por isso. No tempo da Inquisição, as autoridades tentaram pôr cobro a esta situação, e tanto os mais esclarecidos como a Igreja defendiam não existirem tais práticas. Todavia, a crença popular permanecia intocável.”

Não conheço o texto original, mas parece-me que houve aqui uma falha de interpretação idêntica aos casos apontados por Hugo Xavier, no que resultou a imagem de uma Igreja convertida em “defensora da verdade e da razão”, como então escrevi. Não acho que sejam minhoquices, nem meros tropeções técnicos. É claro que sobra pouco espaço no – já limitado – espaço da crítica, mas ignorar este problema também me parece um caminho perigoso.

Enfim, como “alta míope”, também não pude deixar de me identificar com esta passagem do texto publicado no Blogtailors:

«Pois é», continuou, «todos os míopes adoram sempre os desafios de jogar com tudo o que envolva a maior dificuldade. Gostam de snooker, de bowling, de brincar com legos em vez de playmobils...»

Fiquei genuinamente interessada em saber mais coisas sobre a “teoria da leitura miópica”. Quando era miúda, além dos legos, tinha entre as minhas brincadeiras preferidas o Mikado, o View Master e aqueles tabuleiros de plástico cheios de furinhos onde se colocavam pinos coloridos (como se chamava isso?). Ou seja, tudo o que era bom para trocar os olhos e sucumbir à tentação da vertigem. Ainda hoje, nos meus devaneios, sonho aprender a jogar snooker e ser exímia nos matrecos, fulminando os adversários com pestanas aguçadas de jaguar.

(A ilustração acima é do André Letria, um pormenor das guardas do nosso Não Quero Usar Óculos)

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