Quando o autocarro nº 28 chegou às portas da Feira do Livro Infantil de Bolonha, para alívio dos passageiros que ali se espremiam como recheio de ravioli, a primeira coisa em que reparei foi nas muitas malas com rodas que dão colorido à paisagem dos aeroportos. «Coitados, nem tiveram tempo de ir pousar a bagagem ao hotel», pensei, com a boa vontade dos ingénuos. Só depois percebi que aqueles contentores portáteis se destinavam a facilitar a vida a quem percorre os corredores da feira recolhendo quilos de catálogos e coisas afins, tomado por uma incontrolável síndrome de acumulação. É um tremendo potlacht de papel que pode durar até quatro dias, findo o qual regressa a dúvida e o bom senso. Pergunto-me, agora, que utilidade darei às 40 páginas da Revue der Slowakischen Literatur, além de contribuir para os índices de reciclagem em Portugal, mas na altura confesso que não pensei muito nisso.
Como já se percebeu pelo título desta crónica, tratou-se da minha estreia na Feira do Livro Infantil de Bolonha, que entre 23 e 26 de Março levou 66 países a mostrar o que de melhor (e pior) se faz nesta área da edição. Não é todos os dias que se pode escrever a palavra «debutante», felizmente. Nos idos de 90, o meu primeiro director deu-me um raspanete por ter escrito «despiciendo», outra atrocidade lexical. Mas venho aqui dar a mão à palmatória e dizer que cometi vários erros de principiante. O primeiro foi acreditar que conseguiria ver com a mesma atenção cerca de 1300 expositores e as várias mostras de ilustração, além de assistir às apresentações e mesas-redondas, e ainda enviar textos para o Blogtailors, depois de lutar por um dos quatro computadores do Press Centre.
À chegada, sem pensar muito, entrei no primeiro pavilhão que se encontrava a jeito, onde se juntavam as representações da Itália, Austrália, Reino Unido, Hong Kong, Irlanda, Nova Zelândia e Estados Unidos. Errado. Profundamente errado. A minha confessada anglofilia atraiçoou-me e tarde percebi que as propostas mais interessantes, vindas da Europa Central e não só, estavam do outro lado, nos pavilhões 29 e 30. Mas era já impossível recuar. Lá fui abrindo caminho, com a ajuda da espada de papel que dois teenagers vestidos de capa preta me entregaram à entrada, na mira de me converterem a mais uma dessas sagas fantásticas cujo nome já esqueci. Creio que terminava em «ing».
Ao fim de algum tempo, resolvi mudar de método e estugar o passo, assinalando com um círculo os expositores a que deveria voltar mais tarde, por estarem apinhados de gente ou por terem muitos livros que me apetecia ver com calma. Outro erro de principiante. No próximo ano, se puder ir a Bolonha, deverei repetir o seguinte mantra: «Não deixes para amanhã o que podes ver hoje, porque o mais certo é não teres tempo e ver-te-ás grega para encontrar o stand por onde passaste há duas horas.» Assim perdi, irremediavelmente, a oportunidade de conhecer o expositor do Brasil (shame, shame), de regressar ao stand da italiana Orecchio Acerbo ou da americana The Creative Company, ficando apenas com uns belos catálogos para recordação. Por outro lado, debrucei-me com cuidado sobre os livros coreanos e, apesar de não entender uma palavra, tomei conhecimento do best-seller intitulado O Poder Curador da Batata. Que tem isso a ver com livros para crianças? Absolutamente nada. Mas em Bolonha também se encontra de tudo, como nas antigas farmácias.
Em vão, tentei convencer uma senhora de olhos rasgados a vender-me um picture book chamado The Little Stone Lion, pelo qual me apaixonei à primeira vista. Quase supliquei, mas ela não se comoveu, nem ligou ao cartão a dizer «Press». Tinham-me avisado de que ali não se compravam livros – só direitos de autor – e pude testar a elasticidade dessa afirmação. «No, we don’t sell books», responderam-me numa conhecida editora inglesa, com aquele enfatuamento balofo comum ao Yorkshire Pudding. Na venezuelana Ecaré, pelo contrário, a réplica foi exuberante: «Todos los que quieras». Portanto, já se vê.
No último dia da feira, é tradição as editoras darem ou venderem livros a um preço abaixo do mercado, mas muitas delas limitam-se a arrumar diligentemente a mercadoria antes de regressarem a casa. Sobre isto não posso dizer muito mais, porque aproveitei o dia para uma incursão rápida a Veneza, que está a duas horas de comboio. Apesar de perseguida pelo sentido do dever, esse incansável opressor, reconheço que fiz bem. Disseram-me, mais tarde, que por volta do meio-dia a feira já tinha acabado e, assim, pude furtar-me ao sentimento sempre melancólico de final de festa. Além de evitar trazer mais uns quantos quilos de papel que teriam feito subir o orçamento, no momento do check-in. Sacos de pôr ao ombro, nunca mais. Para ano, se voltar a Bolonha, também eu farei parte da tribo das malas rolantes.
Como já se percebeu pelo título desta crónica, tratou-se da minha estreia na Feira do Livro Infantil de Bolonha, que entre 23 e 26 de Março levou 66 países a mostrar o que de melhor (e pior) se faz nesta área da edição. Não é todos os dias que se pode escrever a palavra «debutante», felizmente. Nos idos de 90, o meu primeiro director deu-me um raspanete por ter escrito «despiciendo», outra atrocidade lexical. Mas venho aqui dar a mão à palmatória e dizer que cometi vários erros de principiante. O primeiro foi acreditar que conseguiria ver com a mesma atenção cerca de 1300 expositores e as várias mostras de ilustração, além de assistir às apresentações e mesas-redondas, e ainda enviar textos para o Blogtailors, depois de lutar por um dos quatro computadores do Press Centre.
À chegada, sem pensar muito, entrei no primeiro pavilhão que se encontrava a jeito, onde se juntavam as representações da Itália, Austrália, Reino Unido, Hong Kong, Irlanda, Nova Zelândia e Estados Unidos. Errado. Profundamente errado. A minha confessada anglofilia atraiçoou-me e tarde percebi que as propostas mais interessantes, vindas da Europa Central e não só, estavam do outro lado, nos pavilhões 29 e 30. Mas era já impossível recuar. Lá fui abrindo caminho, com a ajuda da espada de papel que dois teenagers vestidos de capa preta me entregaram à entrada, na mira de me converterem a mais uma dessas sagas fantásticas cujo nome já esqueci. Creio que terminava em «ing».
Ao fim de algum tempo, resolvi mudar de método e estugar o passo, assinalando com um círculo os expositores a que deveria voltar mais tarde, por estarem apinhados de gente ou por terem muitos livros que me apetecia ver com calma. Outro erro de principiante. No próximo ano, se puder ir a Bolonha, deverei repetir o seguinte mantra: «Não deixes para amanhã o que podes ver hoje, porque o mais certo é não teres tempo e ver-te-ás grega para encontrar o stand por onde passaste há duas horas.» Assim perdi, irremediavelmente, a oportunidade de conhecer o expositor do Brasil (shame, shame), de regressar ao stand da italiana Orecchio Acerbo ou da americana The Creative Company, ficando apenas com uns belos catálogos para recordação. Por outro lado, debrucei-me com cuidado sobre os livros coreanos e, apesar de não entender uma palavra, tomei conhecimento do best-seller intitulado O Poder Curador da Batata. Que tem isso a ver com livros para crianças? Absolutamente nada. Mas em Bolonha também se encontra de tudo, como nas antigas farmácias.
Em vão, tentei convencer uma senhora de olhos rasgados a vender-me um picture book chamado The Little Stone Lion, pelo qual me apaixonei à primeira vista. Quase supliquei, mas ela não se comoveu, nem ligou ao cartão a dizer «Press». Tinham-me avisado de que ali não se compravam livros – só direitos de autor – e pude testar a elasticidade dessa afirmação. «No, we don’t sell books», responderam-me numa conhecida editora inglesa, com aquele enfatuamento balofo comum ao Yorkshire Pudding. Na venezuelana Ecaré, pelo contrário, a réplica foi exuberante: «Todos los que quieras». Portanto, já se vê.
No último dia da feira, é tradição as editoras darem ou venderem livros a um preço abaixo do mercado, mas muitas delas limitam-se a arrumar diligentemente a mercadoria antes de regressarem a casa. Sobre isto não posso dizer muito mais, porque aproveitei o dia para uma incursão rápida a Veneza, que está a duas horas de comboio. Apesar de perseguida pelo sentido do dever, esse incansável opressor, reconheço que fiz bem. Disseram-me, mais tarde, que por volta do meio-dia a feira já tinha acabado e, assim, pude furtar-me ao sentimento sempre melancólico de final de festa. Além de evitar trazer mais uns quantos quilos de papel que teriam feito subir o orçamento, no momento do check-in. Sacos de pôr ao ombro, nunca mais. Para ano, se voltar a Bolonha, também eu farei parte da tribo das malas rolantes.
(Segunda crónica de opinião publicada ontem no Blogtailors)
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