Em Fevereiro de 1979 começaram a sair os fascículos da série francesa Era Uma Vez… o Homem, ao preço de 25$00. Depois da televisão, acompanhei em papel a marcha intranquila da Humanidade e a coluna “O Cantinho do Autor”, um senhor de suíças e bigode grisalho chamado Albert Barillé, que surgia nas páginas finais da revista, antes dos “Passatempos”.
Ao longo de 26 semanas, segui a evolução da primeira célula e a extinção dos dinossauros, cacei com o homem de Neanderthal e construí cidades nos vales férteis do Próximo Oriente. Indignei-me com as leis misóginas do Código de Hamurabi, sem saber o queria dizer "misógino". Emocionei-me com a morte de Péricles e a condenação das crianças fracas ao abismo da Rocha da Tarpeia. Fiz parte do império de Carlos Magno, embarquei nos drakkars vikings, segui os construtores de catedrais góticas. Conheci a rota de Marco Polo, o reinado de Isabel I, a corte de Luís XIV, a Rússia de Pedro o Grande. Ouvi falar, pela primeira vez, de Diderot, Olympe de Gouges, Charlotte Corday, Danton, a condessa Du Barry e tantos outros. Estas coisas ficam. Ainda hoje me arrepio ao ler o balão que sai da boca de Madame Roland, ascendendo ao cadafalso com as mãos atrás das costas: “Liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome!!!” (assim mesmo, com três pontos de exclamação)
Guardei todos os números, alguns em melhor estado do que outros. E posso dizer que completei a colecção com o suor do meu rosto, em jeito de homenagem a este 1º de Maio, Dia do Trabalhador. Empenhados em ensinar-me o valor do dinheiro – ou qualquer coisa assim do género, que me servisse para a vida –, os meus pais firmaram um pacto: a troco de 25$00 (que aumentaram para 30$00 logo no n.º 5), eu lavava a louça do jantar, sob uma fiscalização bastante condescendente. Imagino que o negócio não me agradasse muito, na altura, mas a emoção de esperar cada revista nova com uma moeda no bolso ainda hoje perdura e não tem preço. E assim, inculcando uma certa noção filosófica de esforço, mérito e recompensa, cresci na convicção de que havia algo de heróico na leitura e que o conhecimento é um bem não sujeito às oscilações do mercado. Não há maneira de me livrar disto.
2 comentários:
Eu adorava essa série. Não em papel, não dava, mas lembro-me dos episódios aos sábados de manhã, da música... Fantástico, as memórias que isso me traz. Foi bom crescer ali, naqueles dias.
Obrigado pela recordação.
..."o conhecimento é um bem não sujeito às oscilações do mercado"
Dava um bom título para um livro, não dava?
(parabéns pelo blog)
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