quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PARECE MESMO O PARAÍSO


Stonefield é um retiro para escritores em pleno british countryside, onde a inspiração se cultiva em camas com edredões de penas, sestas à lareira, tartes de fruta e comida orgânica. Se tudo isso não chegar, há sempre uma taça de vinho ao fim da tarde e o pub local, onde o gossip literário e não só se põe em dia. Por trás deste cenário privilegiado, há especulação imobiliária e adolescentes a envelhecer de tédio nas paragens de autocarro abandonadas, cujas maiores diversões consistem em atirar ovos aos automóveis e assustar as vacas que pastam no prado. Fuma-se muito. O campo é um deserto de ideias e de sentimentos sólidos – e se os adultos se entretêm com o adultério, a intriga e a má-língua, os adolescentes sonham com a vida das celebridades e “snifam” latas de aerossol quando precisam de um bom kick. Não é um retrato simpático, este que Posy Simmonds publicou em banda desenhada nas páginas do The Guardian e mais tarde passou a livro (ed. Jonathan Cape, 2007). Tamara Drewe, uma beldade esculpida a bisturi que aterra em Stonefield e de quem vagamente se pode dizer que é jornalista (mas também quer escrever dois ou três romances antes dos 35 e, claro, fazer um livro para crianças), é uma daquelas personagens que irritam do princípio ao fim. Os escritores não se saem melhor do retrato. Egocêntricos, egoístas, invejosos, arrivistas, vaidosos, autoindulgentes e mentirosos, não têm problemas em conciliar o homicídio involuntário com a escrita de best-sellers. OK. Já tive a minha dose de cinismo para as próximas semanas. Resta lembrar que Stephen Frears vai adaptar Tamara Drewe ao cinema, com a Bond girl Gemma Arterton no papel principal. Tem todas as condições para ser um bom filme.

2 comentários:

Bird disse...

"parece"...?

nunca tinha ouvido falar dessa história...

até porque nunca achei que escritores fossem uma "classe" de "elite"...não se ganha tanto dinheiro quanto se pensa...

Carla Maia de Almeida disse...

Cara leitora, o título deste post foi roubado a um livro de John Cheever e é uma ironia em relação ao cenário bucólico em que se passa a história. Quanto à ideia de os escritores não serem uma classe de elite e de não ganharem "tanto dinheiro como se pensa", não podia estar mais de acordo, hélas!