quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A MÁQUINA DE ESCREVER DE MARK TWAIN


É uma verdade absolutamente reconhecida que o primeiro escritor a dactilografar um romance foi Mark Twain. Errado, diz John Sutherland. O professor universitário, crítico literário e autor de livros como Is Heathcliff a Murderer? e Can Jane Eyre be Happy? explica porquê em Curiosities of Literature.

O que tem em comum o poema épico Beowulf com Carrie, de Stephen King, e o que aproxima esses títulos de A Revolução Francesa, de Thomas Carlyle, e Stephen Hero, de James Joyce? Representam os gostos eclécticos de um leitor? Não exactamente. A resposta certa é: o facto de todos terem passado pela iminência da destruição – no caso de Carlyle, sem lhe conseguir escapar. Se não houvesse duas mulheres atentas, por fé ou desespero, os textos originais de Carrie e Stephen Hero teriam conhecido um fim mais doloroso do que o estado mental de quem os engendrou. E se o manuscrito de Beowulf se salvou das chamas in extremis, sobrevivendo apenas com os cantos chamuscados, já as primeiras 260 páginas da empreitada de Carlyle não tiveram a mesma sorte, servindo de material ardente em casa do amigo John Stuart Mill. Por descuido, acrescente-se. Uma compensação de cem libras e um novo stock de papel ajudaram a que A Revolução Francesa se reerguesse das cinzas.

A relevância desta e de tantas outras informações prende-se com a curiosidade que se possa ter por uma visão dessacralizada da literatura; e também com a atracção por um certo tipo de conhecimento disperso, fragmentado e mais ou menos aleatório. Reunidas as condições, o gosto pelo saber enciclopédico e algum espírito de coleccionador garantem, à partida, a leitura grata de um livro que foi procurar o seu mais directo antecedente ao século XVIII. Em 1791, Isaac D’Israeli, pai do futuro primeiro-ministro inglês, publicava o primeiro volume de Curiosities of Literature, uma colectânea de pequenos textos agregados pela erudição literária e por um humor discreto e saborosamente irónico. John Sutherland cita-o directamente, trazendo um aggiornamento à tradição.

D’Israeli nomeou obras como o Inferno de Dante, a Utopia de Thomas More ou As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, para ilustrar casos em que fantasias alegóricas foram entendidas como realidades de um mundo tangível. «A simplicidade da época» explica a ingenuidade dos leitores, segundo D’Israeli. Contudo, em 1997, lembra Sutherland, conceituados críticos literários norte-americanos tomaram como verídicos os anexos e a bibliografia do romance O Fardo do Amor, de Ian McEwan, em que este justifica o comportamento obsessivo da sua personagem com as opiniões científicas de uns tais Wenn & Camia, alegadamente reproduzidas da British Review of Psychiatry. Os críticos assinalaram a «insuficiente imaginação» de Ian McEwan – ou seja, dos próprios Wenn & Camia, depois de repostas as letras na sua forma original – e levaram à letra as intenções de um anagrama.

What’s in a name?, perguntou Shakespeare. Aquele a quem chamamos David Herbert Lawrence poderá ser o mesmo que escreveu O Amante de Lady Chatterley? Sutherland, um inglês na América, confessa a sua dificuldade em explicar aos alunos de literatura as regras e convenções que presidem à citação dos autores. Mais etiqueta, menos wikipedia, talvez. «Os títulos honorários são um desafio terrível», diz: «Por que é que ‘Sir Stephen Spender’ é abreviado para ‘Sir Stephen’ e não ‘Sir Spender’, enquanto ‘Lord Byron’ nunca é ‘Lord Gordon’?». A questão dos nomes reaparece ao longo dos 12 capítulos do livro, que começa com curiosidades à volta da comida e termina, naturalmente, com o tema da morte. Pelo meio, surgem os cigarros Du Maurier, a máquina de escrever de Nietzsche e o manuscrito recuperado do túmulo por Rossetti. Da aparição do primeiro caldo Knorr na literatura, com E.M. Forster, ao efeito Werther, o best-seller que foi também um best-killer (dois mil suicídios de leitores de Goethe), há aqui alimento bastante para bibliófilos convictos. Ou apenas leitores curiosos.

(Curiosities of Literature, John Sutherland, Random House Books)

1 comentário:

terrasonora@portugalmail.pt disse...

A ed. Pluma Branca tem o prazer de anunciar o lançamento para o mês de Dezembro, o lançamento de um livro que promete revolucionar...

www.terrasonora-nunoviana.blogspot.com