sábado, 20 de fevereiro de 2010
O MEU LUGAR SEGURO
A psicologia fala do conceito de “lugar seguro” como um espaço físico associado a experiências positivas e marcantes do nosso passado; um espaço aonde não chegam a angústia, o desconforto ou a ameaça. Habitualmente, é na infância que o encontramos, nesse canto da casa onde os joelhos se encolhiam para abraçar um livro; ou no cimo de um penedo coberto de musgo e líquenes, se tivemos a sorte de crescer junto à natureza. Eu tive.
Mas, por estranho que possa parecer a quem tem pavor de andar de avião, a minha ideia de lugar seguro está a uns quantos milhares de metros de altitude, no final de uma viagem que abarcou três continentes e dois oceanos. É de madrugada, passaram-se mais de 26 horas de voo e, segundo a conspiração dos fusos horários, deixei Lisboa há dois dias, sem saudades nem despedidas. Estou no princípio daquela que vai ser a viagem da minha vida, mas ainda não o sei. Tal como não prevejo o momento decisivo, distraído pela falta de sono, em que vou deixar no tapete rolante as minhas botas Timberland novas, compradas pelo equivalente ao que hoje me pagam por um artigo de seis páginas (só para terem uma ideia da inflação). Mas também não posso prever isso, caso contrário teria tido mais juízo e ficado por lá. Da janela do Jumbo da Air New Zealand, a coberto da noite imensa, vejo apenas as mil luzes de Auckland unidas em filigrana, um tapete de luz onde estou prestes a cair, feliz e vulnerável, embora não na mesma proporção. Não há ninguém à minha espera mas tudo está à minha espera, tudo é provável mesmo que nunca aconteça, mesmo que exista apenas como pura possibilidade, pura especulação de incertezas.
Nunca mais estive tão alto como durante aquela viagem solitária à Nova Zelândia, o país onde gostaria de ter nascido. Inevitavelmente, tudo o que sobe deve descer. Quando agora quero evocar a minha ideia de lugar seguro, fecho os olhos e penso que estou num avião, sobrevoando as mil luzes de Auckland, apenas no início de uma viagem extraordinária que aconteceu faz agora sete anos. Às vezes, o truque funciona. Mas só às vezes.
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2 comentários:
boa viagem !
tudo vale a pena quando a alma não é pequena ...
sabe Carla, hj bem que gostaria de encontrar no bau da minha infancia esse tal"lugar seguro", há mto tempo que não sinto e tmb ando simplismente à deriva, seria ótimo vez em quando, sentir que há um lugar onde "tudo vai dar certo" e todos te amam, onde sempre há um colo para recostar suas desesperanças, onde o choro deixa de ser de tristeza e motiva-se num tom de "choro em colo de mãe", aquele só prá ter mais carinho e consolo, nem no avião nem na casa, estou rondando procurando meu ninho...
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