quinta-feira, 27 de maio de 2010

A LITERATURA INFANTIL DEVE SER SUBSIDIADA?, 2


Suponho que Miguel Sousa Tavares (MST) estivesse a falar em sentido figurado quando afirmou, na entrevista de ontem ao Diário de Notícias, que “a literatura infantil é que deve ser subsidiada”. Seria um mau princípio (e um mau exemplo) se os escritores de livros para crianças recebessem algum incentivo – oficial e directo – de tipo monetário para produzir obra literária, não se prevendo que tal caucionasse a qualidade dos resultados. O pagamento atempado dos direitos de autor, a dotação de meios financeiros para a aquisição de livros em escolas e bibliotecas, e um empenho sério na sua promoção por parte das editoras já fariam maravilhas. Julgo que a ideia de “subsidiar” passa por aqui.

É claro que MST tem razão quando diz que “nunca foi tão importante haver boa literatura infantil”, que “com boa literatura infantil, defende-se o livro” e que “a crítica literária liga muito pouco à literatura infantil”. Sendo MST um opinion maker, é bom que estas palavras encontrem eco, porque têm valor. Cabe perguntar, já agora, quem é que liga à pouca crítica literária existente. Apesar de um vasto e potencial público composto por pais, educadores, professores, bibliotecários, livreiros, editores, ilustradores, designers gráficos, promotores da leitura e outros, incluindo os próprios escritores, a experiência diz-me que são poucos os que fazem um esforço para sair do seu ramerrame e adquirir informação nessa matéria. Revistas como a Ler, Os Meus Livros e Malasartes, suportes em que o livro infanto-juvenil tem, neste momento, a visibilidade que merece (e desculpem-me o elogio em boca própria), ainda são lidas por uma ínfima minoria, passe o pleonasmo.

Não subscrevo essa ideia de literatura infantil em estreita comunhão com a sua função social, pelos motivos que MST acaba por deixar claros: “Ao escrever este [Ismael e Chopin] tive isso em consideração [a teatralização nas escolas], acrescentando personagens que não fariam falta mas permitem teatralizações.” Se não fazem falta, por que razão estão lá? Os condicionalismos e ambiguidades fazem parte deste campo específico (e ainda muito menorizado) do sistema literário, mas quando um escritor tem deles consciência e permite que ganhem terreno ao que é pertença da literatura, estranha-se.

Mais estranha é a ideia de que escrever para crianças funcione, para MST, como uma “reciclagem”, uma espécie de duche Vichy exfoliante capaz de limpar as células mortas da pele do escritor calejado pela dureza do romance, proporcionando-lhe o encontro com “uma certa humildade inicial da escrita”. Em nome deste equívoco publicam-se coisas absolutamente sofríveis, apenas justificadas pelo nome do “escritor sério” que decidiu ter a sua aventura no campo-de-morangos-para-sempre da literatura infantil. Não é o caso de MST, de quem conheço apenas o primeiro livro para crianças, O Segredo do Rio. O correio trouxe-me hoje o recém-publicado Ismael e Chopin (Oficina do Livro). Estou curiosa.

5 comentários:

Paula disse...

Também estou curiosa em relação a este livro. Gosto da sua escrita, no entanto nem sempre gosto do que diz MST publicamente :D
Parabéns pelo blogue gostei?

sw disse...

O Segredo do Rio e o Planeta Branco, talvez tenham sido os dois primeiros livros com mais letras do que ilustrações, que por aqui lemos e relemos. Foram muito apreciados, pelo mais pequeno e pelos pais dele também ;-)
Como sempre gostei muito de ler a entrada, concordo com tudo: as bibliotecas, nomeadamente as escolares, são fundamentais para a promoção dos bons livros infanto-juvenis. Lá na escola, é sempre um dos momentos altos da semana, aquele em que os meninos, com a sua professora, vão ouvir (e contar, também) uma história à biblioteca. É de facto um momento ansiado por todos eles.

vera disse...

Vai vender, vai vender, acho que não é preciso pedinchar subsidio.
Os meus filhos detestam os livros dele. Mas em cada festa de anos continuam a recebe-los , repetidamente. Deve ser a atal questão do incentivo á literatura infantil portuguesa ,-) funciona até além fronteiras ...

Carla Maia de Almeida disse...

E por que é que detestam, Vera?

vera disse...

pois, boa pergunta Carla ...
nem te sei responder, provavelmente pelas mesmas razões que fazem outros gostar dos seus livros ... E no entanto, gostaram de ler os livros da Sophia, que aliás lhes li eu em voz alta.