domingo, 1 de agosto de 2010
FORMIGUINHA ALTERADA
Corria a década de 1950. Palavras não eram ditas quando… apareceu a colecção Formiguinha. A expressão tantas vezes usada para convocar a força do mundo mágico repete-se nos contos, a par de outras como «era uma vez» ou «naqueles tempos». Fórmulas em que a palavra impera, remetendo-nos para o costume de contar histórias em voz alta, à luz do fogo ou da candeia. A colecção Formiguinha é contemporânea desse país alumiado a petróleo e marcado pelo lápis azul da censura. Também as edições reproduzidas nesta página não dispensaram o aval do Estado Novo: «Visado pela Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores», lê-se.
Desde 1955, data mais provável das primeiras edições, a Majora fez sucessivas reimpressões de Maria da Silva, Bela-Feia e Feia-Bela, Os Três Irmãos e os Três Pretos, O Tesouro do Ceguinho, Os Dois Corcundinhas e muitas outras histórias. Adaptações de contos tradicionais ou de contos de fadas, portugueses e estrangeiros, reconhecem-se aqui, embora mal, os «originais» de Hans Christian Andersen, de Oscar Wilde ou dos Irmãos Grimm. As capas mudaram, nos últimos anos, mas o texto de João Sereno e as ilustrações de César Abott mantêm-se intactos. Atentem nos conselhos de mãe veiculados em A Princesa da Ervilha: «Sim, na verdade torna-se preciso que tenhas o maior cuidado na escolha, para que, em breve, não te arrependas, já que o casamento não é nenhuma brincadeira, pois dura toda uma vida.» Ora bem.
A pedido de muitos leitores saudosistas, a Majora continua a reeditar a colecção Formiguinha. Para quem não se preocupe com o politicamente correcto, é ainda a oportunidade de lembrar o significado de «manducar», «banzé», «merenda», «gamela», «chinó», «bucho», «caruma», «casinhoto» e «enjeitado», entre centenas de outras palavras ausentes dos actuais livros infantis. E o leitor, ainda sabe o que quer dizer «o marau comeu à tripa forra»?
Aviso à navegação: o texto acima corresponde ao que devia ter saído na edição de hoje da Notícias Magazine, revista de domingo no DN e JN, na secção "Nostalgia". Por razões que me são alheias, a versão publicada foi cortada no primeiro parágrafo e, pior do que isso, completada com uma legenda não assinada por mim, em que se fala de um tal “departamento de livros para menores”. Desconheço. O que escrevi foi: “Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores”, coisa bem diferente. Não havia necessidade. Como os leitores ignoram os meandros da edição de textos nos jornais e revistas, para todos os efeitos a falha é minha…
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