quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A RESIDÊNCIA ESPANHOLA, 16


Dizem-me que há pelo menos dois fantasmas em Can Serrat, nada de estranhar numa casa com duzentos anos – ou quatrocentos, se contarmos a partir das primeiras fundações. Um é amistoso, o outro nem por isso. A certas horas da noite, quando atravesso o corredor, faço um esforço para controlar a visão periférica e manter-me focada numa linha recta em direcção à falsa segurança do meu quarto. Falsa porque, contaram-me hoje, é justamente daqui que os fantasmas partem, não sei porquê. Imagino que lhes agrade a penumbra do espaço; ou talvez a estranha disposição dos três espelhos, sempre arquitectando reflexos entre si.

Seja como for, estou a salvo, porque é deste lado que vive o fantasma tranquilo, uma figura feminina e luminosa a quem tratam por A Dama de Branco. Do outro lado da casa, junto à porta principal, encontra-se O Homem Zangado, que parece não dar muito bom dormir a quem fica no chamado Quarto Azul. Terá morrido ali enforcado, dizem, coisa que sempre causa algum incómodo. Para mim, o problema reside mais nesta separação entre as duas partes da casa, tão visível que impede os fantasmas de se encontrarem durante a noite. Aparentemente, nenhum deles tem ânimo suficiente para atravessar paredes, como é próprio da sua natureza.

Não sei como, mas, no dia em que esta história de amor acontecer, o Homem Zangado fará as pazes com o mundo, e a Dama de Branco dançará vestida de azul, a cor do infinito. Só é preciso que alguém lhes explique como atravessar paredes.

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