sábado, 27 de novembro de 2010
A VIDA NÃO É UM MAR DE CHOCAPICS
Para quem faz contas à vida, os cereais do pequeno-almoço tornaram-se um dos terrores do orçamento familiar. Crianças e adolescentes – a quem o tempo da «meia sardinha» soa a nome de restaurante de praia – ingerem-nos com uma voracidade quase orgíaca, como se no fundo da embalagem houvesse uma cornucópia mágica que expelisse chocapics e estrelitas até à náusea. Ainda com a soma do último talão de supermercado plasmado na testa, os pais assistem ao esvair dos ordenados num oceano de flocos crocantes; enquanto à noite, para piorar as coisas, as telenovelas os tentam convencer de que qualquer família portuguesa moderna saboreia papaia importada ao pequeno-almoço.
Ao arrepio destes cenários tirânicos e perdulários, a troco de duas colheres de sopa, a Farinha 33 continua a render tal como no ano que assistiu ao seu heróico aparecimento: 1936. Produzida desde então pela empresa A Moreninha, com sede na Praça da Figueira, em Lisboa, contribuiu para o crescimento saudável de várias gerações – daí a sua designação, evocando o ancestral «diga 33» do escrutínio médico. Afinal, quem não se sente inspirado pelos fortes bíceps do rapaz da embalagem, capaz de quebrar correntes como qualquer Houdini de ginásio suburbano? Infelizmente, estas já mal se vêem, tal como os calções de tamanho micro, a salientar os efeitos fortificantes da farinha. Em seu lugar, estrategicamente colocado, recorta-se o slogan: «Alimento saudável composto só com produtos naturais». Também a Moreninha foi na cantiga do politicamente correcto, mas não podemos querer-lhe mal por isso. Vamos continuar a dizer 33 até que nos doam os bíceps.
(Texto publicado na edição de 3 de Outubro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia".)
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4 comentários:
eu n tenho família para sustentar mas adoro cereais e estão cada vez mais caros e de tamanho reduzido (parece-me).
Talvez um dia destes estejamos a meia sardinha, ou melhor à moda dos tempos, a meio hamburger.
Um dia tem de escrever sobre os artigos que havia numa dispensa típica portuguesa de há 30 ou 40 anos.
Por exemplo, caro António? (se eu tiver unhas para isso...)
bem visto
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