Com cerca de duas dezenas de livros desde 1994, Ana Saldanha é uma das vozes mais seguras e originais da escrita para adolescentes. Ganhou o último Prémio Maria Rosa Colaço, num ano de reconhecimento unânime.
Ganhou o prémio com um livro intitulado O Galo que Nunca Mais Cantou e Outras Fábulas, que à primeira vista não remete para o universo juvenil de Para Maiores de Dezasseis ou Todo-o-Terreno. É uma linha de abordagem nova?
O Galo que Nunca Mais Cantou e Outras Fábulas continua um projecto de reconto que iniciei com Ninguém Dá Prendas ao Pai Natal e a série Era uma vez... outra vez, e assumiu uma faceta de recolha «etnográfica» em Lendas e Toadas do Nosso Povo Singelo. Acrescento um ponto a esses recontos. O galo do título está deprimido e meia pastilha de Prozac dissolvida na ração devolve-lhe a voz...
Sempre resistiu à vaga paranormal e mística que tomou conta da ficção juvenil, sobretudo nesta década. Ser realista está démodé?
Não me interessam as modas. De qualquer maneira, a notícia da morte da ficção juvenil realista tem sido muito exagerada.
Consegue tratar dos temas mais delicados – o racismo, a pedofilia, a gravidez na adolescência… – sem moralizar nem tomar partido, falando apenas pela voz dos personagens. Quando escreve não tem conflitos de valores?
A minha posição quanto aos temas que abordo é clara, acho eu, embora não aproveite a oportunidade para moralizar ou escrever manuais. Abordar esses temas em livros para gente nova é, por si só, uma tomada de posição.
Tem feito algumas experiências na escrita para crianças, mas pressente-se que é a escrever para adolescentes que encontra o seu elemento natural. Os adolescentes estão mais próximos do leitor adulto?
Os leitores jovens têm já todas as ferramentas que lhes permitem ler seja o que for, mas ainda não perderam a capacidade de se encantarem com os efeitos de um texto. Os livros para crianças mais pequenas têm o bónus adicional de me darem a oportunidade de colaborar com artistas na produção de um objecto visual interessante.
Que condicionalismos lhe coloca uma escrita e outra?
Os livros para crianças que escrevi até agora são mais curtos e também mais condensados. É mais fácil dizer pouco em muitas palavras do que muito em poucas. Mas tento aplicar esse princípio de economia também aos meus livros para adolescentes.
Alguns personagens que cria transitam de uns livros para outros. É um processo consciente, com propósitos que servem a técnica narrativa, ou os personagens resistem ao seu fim, assim que termina um livro?
Ambos. Custa-me abandonar este pequeno mundo que fui construindo aos poucos e os personagens que os povoam teimam em voltar a visitar-me de vez em quando.
Um dos traços mais pessoais da sua escrita reside nos começos dos livros, no incipit. O leitor é lançado repentinamente para a história, sem rede, de uma forma quase abrupta. É um processo estudado e calculado?
É estudado e calculado. Como leitora, não aprecio que me peguem na mão e me conduzam aos sítios do costume: «Era uma noite chuvosa de Janeiro. A jovem, bela e pensativa, fitava o retrato por cima da lareira onde a última acha ardera há muito. De repente...». Como leitora e como escritora, prefiro a queda livre: «– Não podias ter deitado uma acha na lareira? Custava-te muito? Não, nada. Ele queria mais uma acha para a fogueira? Ia tê-la, não perdia pela demora.»
Qual é o seu método de trabalho? Pesquisa para depois escrever? Trabalha em vários projectos ao mesmo tempo?
O meu método de trabalho é pouco metódico. Sou adepta involuntária do caos arrumado em gavetas. Às vezes, quando as abro, encontro o que procurava sem saber. Só uma vez fiz um plano pormenorizado de um livro que tencionava escrever e recolhi toda a informação de que julgava precisar. Nunca cheguei a escrevê-lo. Vários projectos ao mesmo tempo? Sim, alguns a levedar, outros a entrarem no forno, um pronto a levar a cobertura de chocolate. Gosto muito de fazer bolos – e de os comer.
Além do White Ravens, esteve em destaque nos últimos Encontros Luso-Galaico-Franceses e ganhou o Prémio Maria Rosa Colaço. Foi um ano de consagração, 2010. Pode desvendar um pouco do que vai fazer agora?
Não sei se foi um ano de consagração, mas foi um ano bom. Vou continuar a deitar achas para a tal fogueira, que às vezes quase se apaga.
(Entrevista a Ana Saldanha publicada na LER nº 99. A penúltima pergunta saltou por razões de espaço.)
Ganhou o prémio com um livro intitulado O Galo que Nunca Mais Cantou e Outras Fábulas, que à primeira vista não remete para o universo juvenil de Para Maiores de Dezasseis ou Todo-o-Terreno. É uma linha de abordagem nova?
O Galo que Nunca Mais Cantou e Outras Fábulas continua um projecto de reconto que iniciei com Ninguém Dá Prendas ao Pai Natal e a série Era uma vez... outra vez, e assumiu uma faceta de recolha «etnográfica» em Lendas e Toadas do Nosso Povo Singelo. Acrescento um ponto a esses recontos. O galo do título está deprimido e meia pastilha de Prozac dissolvida na ração devolve-lhe a voz...
Sempre resistiu à vaga paranormal e mística que tomou conta da ficção juvenil, sobretudo nesta década. Ser realista está démodé?
Não me interessam as modas. De qualquer maneira, a notícia da morte da ficção juvenil realista tem sido muito exagerada.
Consegue tratar dos temas mais delicados – o racismo, a pedofilia, a gravidez na adolescência… – sem moralizar nem tomar partido, falando apenas pela voz dos personagens. Quando escreve não tem conflitos de valores?
A minha posição quanto aos temas que abordo é clara, acho eu, embora não aproveite a oportunidade para moralizar ou escrever manuais. Abordar esses temas em livros para gente nova é, por si só, uma tomada de posição.
Tem feito algumas experiências na escrita para crianças, mas pressente-se que é a escrever para adolescentes que encontra o seu elemento natural. Os adolescentes estão mais próximos do leitor adulto?
Os leitores jovens têm já todas as ferramentas que lhes permitem ler seja o que for, mas ainda não perderam a capacidade de se encantarem com os efeitos de um texto. Os livros para crianças mais pequenas têm o bónus adicional de me darem a oportunidade de colaborar com artistas na produção de um objecto visual interessante.
Que condicionalismos lhe coloca uma escrita e outra?
Os livros para crianças que escrevi até agora são mais curtos e também mais condensados. É mais fácil dizer pouco em muitas palavras do que muito em poucas. Mas tento aplicar esse princípio de economia também aos meus livros para adolescentes.
Alguns personagens que cria transitam de uns livros para outros. É um processo consciente, com propósitos que servem a técnica narrativa, ou os personagens resistem ao seu fim, assim que termina um livro?
Ambos. Custa-me abandonar este pequeno mundo que fui construindo aos poucos e os personagens que os povoam teimam em voltar a visitar-me de vez em quando.
Um dos traços mais pessoais da sua escrita reside nos começos dos livros, no incipit. O leitor é lançado repentinamente para a história, sem rede, de uma forma quase abrupta. É um processo estudado e calculado?
É estudado e calculado. Como leitora, não aprecio que me peguem na mão e me conduzam aos sítios do costume: «Era uma noite chuvosa de Janeiro. A jovem, bela e pensativa, fitava o retrato por cima da lareira onde a última acha ardera há muito. De repente...». Como leitora e como escritora, prefiro a queda livre: «– Não podias ter deitado uma acha na lareira? Custava-te muito? Não, nada. Ele queria mais uma acha para a fogueira? Ia tê-la, não perdia pela demora.»
Qual é o seu método de trabalho? Pesquisa para depois escrever? Trabalha em vários projectos ao mesmo tempo?
O meu método de trabalho é pouco metódico. Sou adepta involuntária do caos arrumado em gavetas. Às vezes, quando as abro, encontro o que procurava sem saber. Só uma vez fiz um plano pormenorizado de um livro que tencionava escrever e recolhi toda a informação de que julgava precisar. Nunca cheguei a escrevê-lo. Vários projectos ao mesmo tempo? Sim, alguns a levedar, outros a entrarem no forno, um pronto a levar a cobertura de chocolate. Gosto muito de fazer bolos – e de os comer.
Além do White Ravens, esteve em destaque nos últimos Encontros Luso-Galaico-Franceses e ganhou o Prémio Maria Rosa Colaço. Foi um ano de consagração, 2010. Pode desvendar um pouco do que vai fazer agora?
Não sei se foi um ano de consagração, mas foi um ano bom. Vou continuar a deitar achas para a tal fogueira, que às vezes quase se apaga.
(Entrevista a Ana Saldanha publicada na LER nº 99. A penúltima pergunta saltou por razões de espaço.)
1 comentário:
abaixo aos modismo e aos estereotípos
Enviar um comentário