domingo, 10 de abril de 2011

UM CORAÇÃO PORTUGUÊS


Mesmo com a nova tampa de plástico vermelha, a embalagem do limpa metais Coração ainda é das coisas mais bonitas que este país produziu. Olha-se para ela e dá vontade de comprar logo uma baixela de prata ou uma colecção de medalhas, mesmo que não encaixem na casa-tipo-Ikea, onde vivemos cercados por móveis em chapa de bétula e puxadores de alumínio niquelado. Quem lhe deu esse nome, fosse homem ou mulher, sabia do que falava. Já tinha vivido o suficiente para desconfiar do «brilho incomparável e de longa duração» que o amor promete. Sabia que o coração é muito mais do que um músculo oco, composto por duas aurículas e dois ventrículos, batendo ao ritmo de 60 a 70 vezes por minuto. As revistas científicas explicam-nos que o amor está no cérebro, concentrado num cocktail bioquímico de dopamina, oxitocina, vasopressina e outras hormonas, mas nenhuma destas ideias nos consola ou emociona. A única explicação lógica para o nome do limpa metais Coração reside no facto de não ter lógica nenhuma, tal como o amor à primeira vista. Atentem às instruções na embalagem: «Em caso de contacto com os olhos, lavar com muita água». Mas o aviso já vem tarde, porque as paixões são devoradoras: «Em caso de ingestão, ligar 217950143», insistem. É provável que do outro lado da linha haja uma voz reconfortante, do género locutora de continuidade da televisão dos anos 1970; uma voz capaz de dar conselhos de sobrevivência para estados de alma inflamados. Às vezes, muito corrosivos.

(Texto publicado na edição de 10 de Abril da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia".)

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