terça-feira, 17 de maio de 2011

O JARDIM DE ALAIN DE BOTTON


Mais ou menos há seis anos, num hotel da baixa de Lisboa, entrevistei Alain de Botton para a Notícias Magazine, a pretexto do livro Status Ansiedade (Dom Quixote). No início, vi o caso mal parado: levava mais de vinte perguntas e as primeiras quatro foram respondidas com uma rapidez monossilábica assustadora. Entre dentes, perguntei ao assessor de imprensa se Alain de Botton tinha sido informado de que se tratava de uma entrevista de fundo, pensada para seis ou sete páginas (bons tempos), dado que estava a responder como se pensasse que ia ser reduzido a três ou quatro parágrafos. Feitos os esclarecimentos, a entrevista fluiu, sem chegar a transformar-se numa conversa, como às vezes acontece em casos de empatia fácil. Guardei de Alain de Botton a imagem de uma pessoa inteligente, erudita, simpática, bem-educada e bastante formal. Não tive coragem de lhe pedir para autografar um dos livros que levava comigo, Las Consolaciones de la Filosofia (O Consolo da Filosofia), o primeiro que li dele. Durante algum tempo, talvez pela perturbação do arranque, convenci-me de que tinha feito uma péssima entrevista, mas o tempo e a distância relativizaram as coisas. No outro dia, ao vasculhar nos meus arquivos, reli-a e apeteceu-me trazer esta passagem para O Jardim Assombrado. Não é preciso explicar porquê.

“CMA: Voltaire falou do terramoto [de 1755] em Cândido ou o Optimismo. E no fim ele diz mais ou menos isto: apesar de tudo o que nos acontece ou não nos acontece, apesar de todos os «ses», o que é preciso fazer é «cultivar o nosso jardim». Qual é, ou como é o seu jardim?
AB: O meu jardim são os meus livros, obviamente. O que é a jardinagem? É uma tentativa de mudar qualquer coisa para melhor, de aperfeiçoar, de plantar flores bonitas – mas é também uma pequena parte do mundo. É como se Voltaire reconhecesse a necessidade de esforço e de trabalho, mas também os limites do que podemos mudar. Talvez só possamos mudar um pequeno espaço, um jardim, e talvez isso esteja certo. É uma visão da vida modesta e, ao mesmo tempo, ambiciosa.”

(Publicado na edição de 24 de Abril de 2005 da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias. Fotografias de Paulo Alexandrino.)

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