domingo, 22 de maio de 2011
RECOLHIMENTO, INTERACTIVIDADE, DÚVIDAS
A segunda edição do workshop de Livro Infantil para a Booktailors tem-me deixado pouco tempo para actualizar o blogue. C’est la vie. Jornais e revistas lidos com uma ou duas semanas de atraso são consequência habitual da acumulação de “urgências”, coisa que sempre fiz sem remorsos ou sentimentos de culpa. Com atraso, pois, mas porque o assunto ainda vai no adro, vale a pena pensar nas palavras de Manuel Alberto Valente, editor da Porto Editora, ao Expresso da semana passada, que provocaram alguma turbulência nas minhas indómitas rugas de expressão.
Referindo-se às novas plataformas e edições digitais, Manuel Alberto Valente considera que «“esta interactividade vai ser perfeita tanto para livros de divulgação científica como para a literatura infantil”. Não crê, porém, que seja aplicável às obras de ficção: “A verdadeira literatura exige um recolhimento que não se compadece com distracções acessórias.»
Ora bem, haverá talvez nuances nestas declarações sintetizadas, mas creio que temos de reflectir muito sobre as benesses da interactividade na literatura infantil. Arrisco dizer: se existe área que justifique reflexão e mais do que um mero “ir na onda”, é justamente esta.
É preciso distinguir, primeiro, o livro infantil da literatura infantil. No que toca ao livro didáctico e informativo (atlas, livros de conceitos, livros de alfabetos, livros sobre arte ou ciência, etc), é evidente que existe um amplo espectro de intervenção para tirar partido do potencial de comunicação e aprendizagem dos suportes digitais – e é desejável que surjam bons produtos que acrescentem algo ao livro tradicional. Tenho mais dúvidas no caso de obras de ficção, sejam a Alice no País das Maravilhas ou a colecção de Álvaro Magalhães. Quer dizer: quantas vezes é que um miúdo tem vontade de esticar e diminuir o pescoço da Alice ou fazer qualquer outra brincadeira com o IPad até perceber que aquilo não o leva muito longe? Os bons leitores, isto é, os leitores empenhados, que reconhecem e incorporam para toda a vida o poder transformador da literatura, formam-se “nesse recolhimento que não se compadece com distracções acessórias”, como afirma Manuel Alberto Valente. Por que razão havemos de negar às crianças essa exigência e submetê-las à ditadura do lúdico? (por favor, não me digam que elas é que mandam…).
Hoje, é quase impossível para um miúdo passar horas a ler um livro, no mais absoluto silêncio e solidão. Desgraciadamente. Sabemos que as novas tecnologias da informação estão a mudar radicalmente o processo orgânico pelo qual lemos e percebemos (e, sobretudo, não percebemos) o mundo à nossa volta, mas convém usar algum bom senso. A organização de estímulos e de informações a que hoje as crianças e pré-adolescentes se sujeitam (telemóveis, televisão, videojogos, downloads, internet, facebook, messenger…) assemelha-se, como diz Ken Robinson em O Elemento, à autêntica gestão de um império. A questão é: como vamos ensiná-las a governá-lo? Ou melhor: como vamos ensiná-las a governarem-se a si mesmas?
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