sábado, 4 de junho de 2011

VIDA DE GATO


Não é tanto um livro sobre a morte, mas sobre o medo da morte, cujo rosto só conhecemos a partir do olhar que lançamos sobre ela. Temerário, umas vezes; receoso, outras, um gato encara a morte de frente no desenrolar das suas míticas sete vidas, esquivando-se e vendo outros desaparecerem em seu lugar: o pássaro tombado do ninho, o cão atropelado, o porco votado ao dia da matança, a noiva que morre de intoxicação alimentar (eufemismo para a expressão usada por Luísa Ducla Soares, que continua a dar largas à sua veia satírica), os soldados caídos no campo de batalha, reduto quase final de um ciclo onde a morte não tem descanso. Francisco Cunha, ilustrador que antes assinava como Chico (os seus últimos trabalhos saíram pela Ambar), mantém o registo figurativo, mas o traço e a técnica evoluíram para um patamar estético superior. Fugindo aos estereótipos do esqueleto ou da ceifeira, a sua representação da morte é um achado de mestre: um grande gato branco, fantasmagórico, de olhos cegos; um duplo, afinal, que abraça o gato da história na sua sétima e última vida. Numa escrita bem calibrada entre a aspereza do tema e a possibilidade de pacificação interna, essencial ao leitor infantil, Luísa Ducla Soares assinou um belíssimo livro que há-de perdurar na memória de quem o ler.

Um Gato Tem 7 Vidas
Luísa Ducla Soares
Ilustrações de Francisco Cunha
Civilização

(Texto publicado na edição da LER nº 103, secção “Leituras Miúdas”)

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