segunda-feira, 11 de julho de 2011

O COPO MEIO CHEIO


O leitor pode pensar que ainda ontem viu esta garrafa, e é quase verdade. Ainda «ontem», isto é, há cinco anos, as garrafas de vidro de um quarto de Vigor faziam parte do cenário habitual dos cafés e pastelarias; tão habitual que há quem não tenha notado o seu desaparecimento. É sempre assim: uma pessoa distrai-se e acaba a fazer fintas à memória, a teimar que ainda «ontem» viu coisas que já se perderam de vista. Para todos os efeitos, as garrafas de um quarto de Vigor desapareceram em 2006, e com elas a esperança irrealista de que não nos obriguem a ser cada vez mais sofisticados. Que não nos obriguem a escolher entre leite sem lactose, vitaminado, com cálcio, ómega 3, magnésio ou outro ingrediente «essencial», porque tantas escolhas deixam-nos cansados e, pior, só são válidas até ao próximo estudo científico que vem negar o anterior. Uma das alegrias do leite Vigor, para além de um nome que não engana ninguém (do latim vigore, força vital), é o facto de valer por si mesmo, dentro daquela garrafa de vidro tosca e robusta que surgiu há 60 anos, no contexto do pós-guerra. Em 1951, o leite fresco Vigor começou por querer agradar aos ingleses residentes no eixo Sintra-Cascais-Estoril, habituados a certas mordomias. Foi aí que alguém se lembrou de criar um sistema de distribuição porta a porta, com o leiteiro ao volante da carrinha branca, um ícone dos anos 1950. Desde então, pedir «um quarto de Vigor» tornou-se sinónimo de leite, por metonímia – e pedir «um quarto de Vigor e meia torrada» é algo que só se entende em Portugal. Quem o faz é um ser praticamente completo, faltando-lhe apenas mais um quarto de qualquer coisa para lá chegar.

(Texto publicado na edição de 10 de Julho da Notícias Magazine, revista de domingo do Diário de Notícias e Jornal de Notícias, na secção "Nostalgia".)

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