domingo, 11 de setembro de 2011
BRANCO SOBRE AZUL
O sabão azul e branco responde pelo improvável nome técnico de «sabão offenbach», uma espécie de cartão de visita para impressionar quem se interessa por nomes sonantes – neste caso, o da cidade alemã homónima onde terá tido origem. À parte isso, é o sabão mais português que existe, com todas as contradições implícitas em tal opção. Visto de fora, é uma amálgama concreta de ingredientes naturais, cujo maior peso provém dos quase 50 por cento de matéria gorda que o diferenciam de outros sabões e sabonetes. Não deixa de ser curioso pensar que um produto vocacionado para combater a sujidade – nódoas de gordura, por exemplo – comporte em si mesmo as causas do problema; mas esse é um paradoxo antigo, procedente de épocas remotas em que o azeite se usava para lavar o corpo. Não consta que alguém tenha sujado as mãos por causa disso. Mais interessante, porém, é o sabão azul e branco quando visto por dentro, após golpe de lâmina certeira. É aí que perde a faculdade de ser apenas concreto e se revela em imprevisíveis nuances e ramificações marmóreas, que tanto lembram os contornos da deriva dos continentes como as formações nebulosas do céu. Esta poética da reconstrução das formas é algo que nenhum detergente em pó consegue reproduzir, por mais sofisticado que seja. Contrariando todos os prognósticos, falta dizer que o sabão azul e branco está para o sul de Portugal como o seu equivalente rosa e branco está para o norte; onde, por tradição, regista maior número de adeptos. De um sabão português é lícito esperar todas as contradições.
(Texto publicado na edição de 11 de Setembro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia".)
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1 comentário:
Bom texto. Só não percebi a dúvida entre o ser 50% de gordura... A gordura serve exactamente para retirar outro tipo de gordura... é mesmo assim...
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