domingo, 9 de outubro de 2011
OS GIGANTES INGLESES
Os primeiros autocarros de dois pisos chegaram a Portugal em 1947, poucos anos depois de a Carris ter iniciado o serviço de carreiras regulares. Traziam ainda a cabine do motorista do lado direito, sinal da ascendência inglesa comprovada pela marca Leyland, modelo Titan, um nome apropriado para gigantes de sete toneladas. Diz a tradição dos mitos e contos de fadas que os gigantes são mal compreendidos pelo vulgo – e estes não foram excepção. Recebidos com um misto de admiração e desconfiança nas ruas de Lisboa, tinham lugares sentados para 56 passageiros, sem por isso ocuparem mais espaço de via. Com este trunfo irrecusável venceram medos, curvas e solavancos, chegando também às sinuosas artérias do Porto, em 1960. Por onde quer que tenham passado, o tempo foi suficiente para integrá-los nas memórias mais felizes de várias gerações de passageiros. Quem foi criança e repetiu a aventura de subir ao primeiro piso com o autocarro em andamento, sempre na esperança de encontrar vazios os lugares da frente, pôde ver o mundo com os olhos bem abertos. Embalados por aquele equilíbrio instável e pelo motor trepidante, sentimo-nos invencíveis, dentro dos gigantes ingleses. Foi assim até 1995, ano em que desapareceram de vez das ruas de Lisboa, excepção feita para a inconstante versão turística. No Porto, ficaram até 1991, tendo regressado este ano, muito frescos e modernos, mas irreconhecíveis face à imagem que deles guardámos. É o progresso, dizem. No piso de cima, as crianças vêem agora o mundo com outros olhos.
(Texto publicado na edição de 9 de Outubro da Notícias Magazine, revista de domingo do DN e JN, na secção "Nostalgia".)
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