segunda-feira, 3 de outubro de 2011
VERSOS DESALINHADOS
Daniil Harms, pseudónimo de Dannil Ivánovitch Iuvatchov, foi alvo das perseguições do regime estalinista, que não se interessou apenas por escritores nobelizáveis como Boris Pasternak ou Aleksandr Solzhenitsyn. A educação das crianças sempre preocupou os sistemas totalitários; e daí a desconfiança pelos textos infantis de Daniil Harms, aqui ilustrados por Gonçalo Viana, cujas geometrias e sequências repetitivas não são estranhas ao construtivismo russo. Longe do realismo doutrinário e da celebração dos feitos e figuras gratas à nação, estes textos espelham, na sua brevidade e permanente autoirrisão (a começar pelo título, Esqueci-me Como se Chama), a incongruência e o absurdo da realidade, a par de um sentido lúdico totalmente desfasado dos imperativos moralizantes da cartilha política. Histórias nonsense com animais exóticos, episódios grotescos envolvendo a realeza ou viagens ao Brasil dos aborígenes e bisontes – tudo isto era mais do que a máquina do estado poderia tolerar. Daniil Harms morreu de fome, aos 37 anos, durante um dos encarceramentos onde terá sido convidado a reflectir sobre o alimento adequado à formação dos jovens cérebros.
Esqueci-me Como se Chama
Daniil Harms
Ilustrações de Gonçalo Viana
Tradução de Nina e Filipe Guerra
Bruaá
Texto publicado na edição da LER nº 106, secção “Leituras Miúdas”. Fora do registo infantil, Daniil Harms (S. Petersburgo, 1905) encontra-se publicado em português pelas editoras Hiena (Crónicas da Razão Louca, 1994) e Assírio & Alvim (A Velha e Outras Histórias, 2007).
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