terça-feira, 4 de junho de 2013

PIPPI LANGSTRUMP: O DIREITO À INSURREIÇÃO


“Pouco a pouco, os clássicos da literatura para crianças (ou literatura tout court) vão sendo objecto de novas edições mais arejadas. E, no caso em apreço, já tardava. Desde a década de 1970 que não se encontrava facilmente uma tradução da obra que deu origem à série emitida pela RTP, no tempo em que a televisão era a preto e branco. O texto agora vertido para português por Maria do Céu Mascarenhas segue a nova tradução ilustrada pela inglesa Lauren Child, autora de personagens igualmente irrequietas como Clarice Bean – com a qual se estreou em 1999 – e vencedora do prestigiado prémio de ilustração Kate Greenaway. Dificilmente se poderia ter escolhido um nome mais indicado para esta parceria.


Pippi das Meias Altas (Pippi Langstrump ou Longstocking) foi a mais célebre criação da escritora sueca Astrid Lindgren (1907-2002) e, provavelmente, uma projecção da sua personalidade contestatária e irreverente. «A morte e o amor são os grandes acontecimentos que as pessoas experimentam», afirmou: «Não devemos assustar as crianças, mas elas continuam a necessitar de serem chocalhadas pela arte, tal como os adultos.»

Quando o livro foi publicado na Suécia, em 1945, houve receio de que tão livre espírito não fosse capaz de se tornar suficientemente popular entre os leitores – receio que se revelou infundado, já que as colecções de Pippi venderam mais de 145 milhões de exemplares e foram traduzidas em 91 idiomas, segundo informação da Booksmile, a editora que apostou no regresso desta miúda excepcional. Em vários sentidos. À luz de certas correntes educativas actuais e mesmo do senso comum, Pippi é um caso flagrante do «politicamente incorrecto»: estende massa de biscoitos no chão da cozinha, contrariando as mais elementares regras de higiene. Entra na escola a trote de cavalo, faz orelhas moucas quando a professora lhe pede para não a tratar por «tu» e acaba por desestabilizar a aula com as suas respostas desconcertantes. Quando os bem-intencionados cidadãos da pequena cidade sueca onde vive decidem que o melhor será interná-la num lar para crianças, Pippi mostra a sua força hercúlea e pega nos polícias como se fossem caixas de fósforos.

E, depois, há essa questão incómoda relativa à ordem familiar: Pippi é órfã e vive sozinha, acompanhada por um cavalo e um macaquinho, o famoso Senhor Nelson. E acha uma maravilha, «porque assim não havia ninguém que a mandasse para a cama quando estava a meio de um jogo fascinante, nem que a impedisse de comer todos os chocolates que lhe apetecesse» (já estamos a ver várias testas franzidas…). Sardenta, de cabelos ruivos espetados, um par de meias altas às riscas e de cores diferentes, Pippi sobreviveu à normalização. Sorte dela. E nossa.”


(Texto integral publicado na edição de Maio da revista LER, sobre o clássico da escritora sueca Astrid Lindgren, que acaba de chegar numa nova tradução da Booksmile, ilustrada por Lauren Child.)

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