segunda-feira, 28 de outubro de 2013

DOS JORNAIS, 4


«A família é uma instituição horrível. Conservadora no pior sentido do termo. Herdamos dos nossos pais ou transmitimos aos nossos filhos os nossos genes, os nossos gostos, os nossos gestos. Dou-me conta de que estou a cruzar as pernas como o meu pai... Quer coisa mais conservadora do que esta? Romper com isto é difícil. A minha profissão tem o sucesso que tem porque as famílias são feitas para criar problemas.»

(Carlos Amaral Dias, psicanalista, em entrevista de Anabela Mota Ribeiro para o P2.)

[Sim, a família é uma instituição que cria mais problemas do que resolve. Valha-nos a possibilidade de, com alguma sorte e decisões acertadas (?), podermos ser melhores do que os nossos pais, como os nossos filhos poderão ser melhores do que nós e por aí fora. Mas se a instituição "família" se mantém, isto é como curar mordedura de cão com pêlo de cão. Ou não?]

5 comentários:

Ribeiro Melo disse...

Cara Carla,
É possível que este meu comentário não passe pelo crivo da «moderação de comentários», dada a sinceridade crua das palavras. Mas não queria deixar de partilhar consigo aquilo que penso.
Antes de mais, deixe-me dizer-lhe duas coisas: 1) consulto o seu blog porque a literatura para a infância me interessa particularmente na qualidade de professor e de pai; 2) acontece-me frequentemente consultar o seu blog e pensar que de facto não devia fazê-lo. Vejamos porquê. Tudo aquilo que a Carla escreve tem um tom de azedume e de ressabiamento que é francamente desagradável, sobretudo vindo de alguém que, bem ou mal, escreve para a infância. Não, não gosto de ursinhos, nem de florzinhas, nem de passarinhos, também sou fã de Frances Burnett, Shel Silvertein, Enyd Blyton e absolutamente contra aqueles que põem o lobo mau a comer bolachinhas em vez de devorarem a avó. Curiosamente, também gosto bastante de vários autores portugueses de quem nunca fala no seu blog. Presumo que isto só acontece porque os seus pares são, supostamente, intimidadores e convém não haver sombra, não pensar em árvores alheias. Não sei se tem filhos ou não, nem me interessa. Nem acho que quem escreva tenha de tê-los ou deva tê-los, a questão não se põe de todo. A única coisa que me parece é que lhe falta sentido de humor, boa disposição, melancolia q.b., generosidade, enfim, um certo brilho que só quem não se considera uma estrela pode ter. Sabe, a generosidade é realmente o que mais interessa no que diz respeito à família, para além do amor, claro. O seu post sobre a dita -- e deixe-me dizer-lhe que sou uma pessoa de esquerda -- é paradigmático da ideia que tenho a seu respeito: a Carla parece ser uma pessoa verdadeiramente maldisposta, neurótica e desagradável. Se a família pode ser a fonte dos maiores problemas, também é, seguramente, a fonte das maiores alegrias. É por isso que a profissão do Carlos Amaral Dias tem sucesso, sim. Mas esse sucesso deve-se sobretudo aos ressabiados que, mais dias menos dias, acabam por ir parar ao divã. Ah, e eu, se fosse da sua família, garanto-lhe que também lá ia. Um grande abraço para si. Ribeiro Melo.

Carla Maia de Almeida disse...

Caro Ribeiro Melo, o seu comentário leva-me a crer que ofendi profundamente os seus valores. Peço desculpa por isso; nós nunca sabemos quem está do outro lado a ler-nos. Pelo contrário, as suas palavras não me ofenderam em nada. Serei «neurótica», talvez, agora «mal-disposta» e «desagradável» acho que não, caramba! Pelo menos, estou sempre a tentar corrigir-me. O Ribeiro Melo precisaria de me conhecer pessoalmente para confirmar ou desmentir o seu preconceito, se achasse que valia a pena (eu acho que não vale a pena). Ficaria mais contente se lesse algum dos meus cinco livros para crianças sem esse preconceito (o Irmão Lobo não é para crianças). Sei que é difícil: são os custos da exposição; é muito mais seguro escrever para a gaveta ou para quem nos conhece. No entanto, se a sua generosidade o permitisse, e porque parece uma pessoa culta e inteligente, iria constatar que há neles humor q.b., boa disposição q.b., melancolia q.b., amor q.b. e outras coisas coisas q.b. - e iria constatar também que a família é um tema sempre presente, para não dizer que é "o" tema...

Tem toda a razão no que diz: «Se a família pode ser a fonte dos maiores problemas, também é, seguramente, a fonte das maiores alegrias.» Claro. Mas podemos dizer o mesmo de outros valores essenciais, não? A religião pode ser a fonte dos maiores problemas e também das maiores alegrias. A arte pode ser a fonte dos maiores problemas e também das maiores alegrias. A amizade pode ser a fonte dos maiores problemas e também das maiores alegrias. O amor romântico pode ser a fonte dos maiores problemas e também das maiores alegrias. Etc. Mas o que eu escrevi no meu post não foi o contrário disso, e se ler novamente vai ver que há uma grande diferença entre a animosidade que me pretende atribuir e a questão que eu tentei, talvez desajeitadamente, colocar. Não tenho a certeza de nada, mas, pelo que vejo à minha volta, parece-me que realmente "a família cria mais problemas do que resolve" (não deixando de poder ser a fonte das maiores alegrias). Depois há as outras «famílias» que escolhemos - os amigos, as causas, a arte, a religião, a natureza... - e que tantas vezes nos ajudam a transformar, a alquimizar e a desatar esses nós que são fruto de dinâmicas inconscientes. "É por isso que a profissão do Carlos Amaral Dias tem sucesso, sim", como diz. Já o que escreve a seguir, discordo: "Mas esse sucesso deve-se sobretudo aos ressabiados que, mais dias menos dias, acabam por ir parar ao divã." Não me diga que acredita mesmo nisto... Parece-me muito pouco generoso... e muito pouco de esquerda.

Sobre a família, em traços gerais, é isto. Quanto ao resto, acusar-me de não falar aqui dos autores portugueses que gosta e todo esse processo de intenções... Que posso dizer? Não acolho as suas palavras. Este blogue (que é um blogue pessoal, acima de tudo) existe há cinco anos, mais ou menos o mesmo tempo que escrevo na revista LER, e se o Ribeiro Melo acompanhasse o meu trabalho com objectividade, veria que essa acusação não tem fundamento. Não tem mesmo: basta consultar as revistas ou ler os posts na etiqueta "livros" e "escritores". Temos de gostar dos mesmo autores? Se eu falasse desses tais autores que gosta, isso faria de mim uma pessoa mais agradável, aos seus olhos? Poderia falar de mais livros e autores aqui no blogue? Com certeza. Podia estar aqui o dia todo que não me faltaria assunto. Mas, sabe, tenho de fazer pela vida. Volte sempre. Ou não.

Carla Maia de Almeida disse...

Esqueci-me de agradecer o seu comentário. Foi um pretexto para reflectir. Um abraço.

Ribeiro Melo disse...

Cara Carla,
Confesso que não esperava ver o meu comentário publicado. O seu gesto, assim como a sua resposta, são de um nível elevado. E se o digo não é por pensar que a Carla não seria capaz de tal coisa, mas sim porque a blogosfera é um meio relativamente umbilical e narcisista. O país, o meio literário, são demasiado pequenos para serem francamente interessantes. Ninguém se quer expor e quando alguém o faz é apenas para se enaltecer por porta travessas. Imagina um bibliotecário de babel a publicar um comentário desta natureza? Eu não. Provavelmente o comentário seria logo silenciado e nem uma palavra sobre o assunto. É preciso manter as aparências; o Eça viu isso tudo. De resto, quero apenas dizer-lhe que nunca quis assombrar o seu jardim, apenas me enfiei por recantos mais obscuros onde dei de caras com um fantasma aqui, um lobo ali, um duende endiabrado mais à frente. Por falar nisso, deixe-me dizer-lhe que sou um grande fã da psiquiatria e creio que todos nós, num momento ou noutro da vida, devíamos ter a humildade de reconhecer que o químico é nosso amigo e que nada melhor para lidar com o quotidiano do que uma visita ao psi. Pessoas da minha família – a de sangue e a outra, a que escolhi – já foram salvas no divã. Quanto ao seu argumento segundo o qual aquilo que é a fonte das maiores alegrias é também a fonte das maiores tristezas se aplicar a tudo, não sei se concordo. A religião, por exemplo, é uma grande fonte de alegria para quem tem fé, quem nos dera a nós encontrar esse conforto, caso contrário, ler é sempre o melhor remédio. Quanto à revista Ler, compro-a com frequência e creio que a sua tendência é sempre para se referir mais a autores estrangeiros. Ainda não li o «Irmão Lobo», mas vou pedi-lo ao meu Pai Natal livreiro. Quanto ao seu livro das casas, gosto imenso da ideia em geral e do facto de a cozinha ser o coração da casa, conto oferecê-lo em breve, gostei muitíssimo. «Ainda falta muito» parece-me menos seu, e os outros, infelizmente, ainda não conheço, mas prometo colmatar essa lacuna. Também tenho de fazer pela vida e o quotidiano é difícil para quem no fundo no fundo só gosta mesmo é destas coisas. Talvez um dia possamos tomar um café. Ou talvez não, receio que ficássemos amigos. O melhor é continuarmos a educar os nossos fantasmas para adormecermos no seu ombro. Obrigada por também me fazer reflectir e pela sua generosidade, porque a teve, de facto. Até breve no seu jardim.

Carla Maia de Almeida disse...

Caro Ribeiro Melo, ainda bem que não o desiludi, pelo menos desta vez. Mas não prometo nada: o meu jardim tem zonas sombrias e obscuras, consoante o correr dos dias, e seria um presunção da minha parte pensar que todos os meus escassos leitores gostam de percorrer os mesmos meandros. Talvez nos últimos tempos essa tendência lunar se tenha acentuado - tentarei abrir mais canteiros novos por aqui, mesmo debaixo do sol de Inverno. Em relação à LER, agora com o novo formato só posso destacar um livro ilustrado por mês, mas ainda na penúltima edição escrevi um texto sentido sobre o recente livro do Álvaro Magalhães, um dos meus autores preferidos. Acredite: tenho muitos defeitos, mas a inveja não é um deles. Ter inveja é um paradoxo ontológico irresolúvel, porque implicaria que nós nos tornássemos nessa pessoaque invejamos, o que é absolutamente impossível, uma coisa um bocado ad nauseam. Tenho um post sobre a inveja na secção "posts preferidos", do lado direito do blogue, que explica bem o que penso desse tema. Bem, vamos então continuar a educar os nossos fantasmas, para que, ao menos, demonstrem alguma urbanidade perante o cruel mundo dos vivos (que também nos dá as maiores alegrias!). Um abraço e vá dizendo coisas, assim como as disse, tal e qual. Obrigada.