Face à plausível inutilidade da literatura e da arte em geral, também me pergunto porque escrevo, quando poderia certamente fazer coisas melhores. Uma vez, na Feira do Livro de Lisboa, ouvi Lídia Jorge afirmar que «essa é a única pergunta a que não se pode responder com sinceridade» [porque escreve?]. «Precisaria de uma vida inteira para responder», disse Phillip Roth a este respeito. Não serve de grande consolo, nem chega para nos libertar da sensação de fraude que, a espaços, desperta o inimigo que ri dentro de nós. Escrever para quê, para quem?
Se
calhar, escrevo para não ter de mentir. Porque aparentada com a maldade, a
mentira é abominável, seja aquela que destrói um povo e um país (todas as
ditaduras o exemplificam), sejam as mentiras que contamos aos outros e a nós
próprios, acossados pelo medo atávico do incompreensível. Porque incapazes de
lidar com as consequências da verdade, todos mentimos; faz parte da tendência
do género humano para a devassidão. Não há remédio, muito menos remédio santo.
Sendo
uma possibilidade de interpretar e reorganizar o mundo à nossa volta, incluindo
o mundo que nos acontece, a escrita e a arte surgem como libertação
temporária do mal absoluto, que é sempre frio e estéril. Para destruir o ser
humano, basta atirá-lo para uma grande desolação interior. Contar-lhe uma
mentira e negar-lhe a possibilidade de contrapor com as armas que tiver à mão:
a palavra, a espada, o riso ou outras. Para uma luta justa.
Talvez
isto seja também uma mentira, mas creio que, se não pudesse escrever, mentiria
muito mais.
(Imagem retirada daqui.)
4 comentários:
Na noite antes da aula sobre escrita fui assaltada por uma valente insónia. Estive algum tempo a pensar como seria a aula e no que eu esperava dela. Talvez porque numa lógica egocêntrica comparei a escrita à ilustração. Pensei numa aula com uma abordagem sobre o que é "criar" alguma coisa e o porquê e não no lado mais técnico da escrita.
Obrigada pela partilha que superou as minhas expectativas. Este texto do blogue só veio pôr a cereja em cima do bolo.
Pois é,
a escrita desoculta, organiza o pensamento e, diz-[nos]backanki142 mais rente à raiz.
Lídia
Sendo assim, Maria, ainda bem que a desiludi... :-)
Lídia, acho que percebi o que queria dizer, mas houve aqui alguma "interferência" do blogger.
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