Entrei numa retrosaria antiga, aqui na
minha aldeia, à procura de um botão extraordinário. Queria um botão dourado, em
forma de pássaro. Não encontrei, claro.... Mas quando ia a sair da loja, um
bracinho puxou por mim e disse:
«Não se lembra de mim?»
Era uma criatura de metro e dez, metro
e vinte. Loura, de olhos muito cálidos. Reconheci os olhos imediatamente, mas o
resto não encaixava. Tinha crescido. «Sou o João Paulo, andava na escola X» (a
100 km de distância). «Claro que me lembro de ti, meu aluninho!» E abracei-o
imediatamente. É preciso dizer que o João Paulo era um daqueles miúdos que me
martirizava a cabeça (ao ponto de tu acreditares que um tabefe bem dado naquele
rabo era paliativo santo) em troca dos meus trezentos e cinquenta euros por
mês como professora AEC.
«Então e o teu amigo, o Cabaceira, que
é feito dele?» «Está para fora, os pais foram presos» («Ainda bem» - pensei
para mim - «Assim ao menos terá uma chance».) «Estás mais gordinho, João Paulo».
Ele encolheu os ombros e não disse nada. Foi um daqueles momentos em que
acreditei nas ondas telepáticas, já que me pareceu ouvir exactamente na minha
cabeça a voz dele: «Pudera... é que agora como.»
O João Paulo não podia ter nota cinco; teve
sempre quatros, porque o comportamento deixava mesmo muito a desejar. Sei
que aquela nota foi uma revolução na vida dele, subindo inusitadamente a sua
autoestima. O João Paulo era um miúdo que dançava maravilhosamente e de uma
forma (como dizer?) intrínseca. Dançava assim, com a cabeça cheiinha de
cicatrizes que se viam através do cabelo rapado. Era a mãe que lhas dava e pai
não havia. Uma vez dei-lhe o meu lanche. Outra vez, foi uma professora que lhe
trouxe um casaco no Inverno. Nós, no Facebook, nem sempre imaginamos uma
realidade assim.
«Então, que fazes por aqui?» «Estou na
obra na Nossa Senhora das Candeias». «Que bom! Assim posso ter-te debaixo de olho.»
Fui embora e disse à educadora que o acompanhava: «Este menino é um artista». E
ela, incrédula, a olhar para mim. O meu João Paulo a dançar, com a cabeça cheia
de cicatrizes a verem-se através do cabelo rapado.
Foi assim que encontrei o meu botão extraordinário,
em forma de pássaro dourado, numa retrosaria antiga, aqui na minha pequena
aldeia.
[Este texto foi escrito pela minha irmã
mais nova, Micaela Maia de Almeida, e publicado na sua página do Facebook. Pedi-lhe
para o reproduzir aqui, a pensar em todos os professores e educadores que visitam o
Jardim Assombrado, desejando que também eles tenham também o seu «botão extraordinário, em forma de pássaro
dourado». Ou, melhor ainda, um bolso cheio deles.]
1 comentário:
É mesmo o que nos move... todos temos um ou mais "botões extraordinários" e lutamos com eles e por eles, para que consigam o seu voo de "pássaro dourado".
Lindo o texto da mana, obrigada pela partilha.
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