terça-feira, 1 de abril de 2014

OBVIAMENTE, DISCORDO



Tropecei há pouco neste texto do Fábulas de Leitura e fiquei abismada. Não sei se se trata de um assumido guilty pleasure ou se a autora do blogue, nascida em 1981, faz questão de ignorar qualquer interpretação histórica e ideológica da obra de Odette Saint-Maurice. Chamar-lhe «um tesouro nacional desconhecido das gerações mais novas» seria apenas anedótico, se não fosse um insulto à inteligência e à memória de um país que passou por 48 anos de ditadura (e ainda não recuperou). Andei à procura da crónica que publiquei na LER de Setembro de 2011, aquando da inexplicável reedição desta obra serôdia e inane, mas não a encontrei. Deixo um excerto de um artigo mais recente, publicado no Le Monde Diplomatique, onde cito precisamente a figura e o livro em causa. E não, isto não é uma questão de opinião. É mais sério do que isso.

(...)

O paternalismo (ou maternalismo) do adulto que quer partilhar a sua «criança interior» foi, noutra época, o do «adulto exterior», mais preocupado com o amor à Pátria do que com o amor-próprio. Falamos da época «da mocidade que se dirigia valorosa e radiante para o dia de amanhã», quando as «pessoas da melhor sociedade» se cruzavam com outras, «acanhadas, mas com um ar feliz que nada igualava»; e o mundo se dividia entre «os que estavam muitíssimo bem vestidos e os que apenas vinham decentes e asseados»

Não são páginas da revista O Mundo Ilustrado, por onde alegremente se passeava o jet-set dos anos 1950, mas de Um Rapaz às Direitas, de Odette de Saint-Maurice (1918-1993), recentemente reeditado. A fechar o livro, uma nota biográfica: «À literatura juvenil, de que foi uma das mais notáveis cultoras, dedicou o melhor do seu trabalho, que um critério elevado e uma feição sadia definem e impõem.» Enigmático.


O tema da distinção de classes, com o seu séquito de virtudes bem constituído – o dever, a caridade, a docilidade, o patriotismo... –, marcou profundamente a produção literária para a infância e juventude em Portugal, em particular no género da novela de costumes, de que Odette de Saint-Maurice foi, sem dúvida, «uma das mais notáveis cultoras». Porque legitimado pela função educativa desde a sua génese, o livro para crianças sempre foi permeável à moral e às ideologias políticas vigentes, tornando-se facilmente um veículo de instrumentalização.

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4 comentários:

Catarina Araújo disse...

Olá Carla,
realmente desconhecia a existência desta autora, da qual só tomei conhecimento ao verificar que a editora Clube do Autor estava a reeditar os seus livros. O artigo resultou de uma pesquisa superficial que não me permitiu ter conhecimento do conteúdo ideológico dos livros ou dos valores que defendia. Não faço questão de ignorar e por esse mesmo motivo é que criei o blogue: para aprender, ainda que com o risco de ferir susceptibilidades pelo caminho. Falta minha. Fui longe de mais ao chamar a autora de tesouro nacional, realmente. Terei, claro, mais cuidado no futuro. No entanto, os livros de Odette não deixam de ser relevantes no contexto na nossa História.

Catarina Araújo disse...

Lamento ainda, Carla, que não me tenha confrontado diretamente e tentado perceber os motivos pelos quais escrevi aquelas palavras. Não era sua obrigação, claro que não, mas penso que teria sido mais construtivo, pelo menos para mim que não tenho medo de ser confrontada com a minha ignorância e com as minhas falhas. Respeito muito o seu trabalho e estou mais do que disposta a aprender e a saber mais, é só preciso que do outro lado também haja disposição para isso.
Obrigada

Carla Maia de Almeida disse...

Olá, Catarina. Os blogues não são um emprego, pois não? Não me acuse do que não fez, em primeiro lugar. Segundo, eu confrontei-a directamente; e a Catarina respondeu-me aqui directamente, idem no seu blogue. Muito bem. Os comentários não foram publicados antes porque não tive tempo. É óbvio que não foi sua intenção "ferir susceptibilidades"e garanto-lhe que não feriu as minhas. Simplesmente, devemos ter cuidado com os elogios exagerados - tanto como com as críticas exageradas. De resto, estes são os riscos da exposição. Nada disto é pessoal. Também gosto do seu trabalho e elogiei-o mal se estreou na blogosfera:
http://ojardimassombrado.blogspot.pt/2013/10/novo-blog-fabulas-de-leituras.html.

Continuarei a ser sua leitora atenta e a aprender consigo. Um abraço.

Catarina Araújo disse...

Obrigada, Carla. Um abraço!