terça-feira, 17 de junho de 2014
O QUE ESTÁ LÁ FORA
Durante anos, persegui a origem desta imagem, publicada num artigo que escrevi para a Notícias Magazine sobre o livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés (basicamente, a minha «bíblia»). Descobri, há pouco, no meio das traduções da obra de Maurice Sendak, tratar-se de uma pintura de Briton Rivière, datada de 1902, representando Afrodite a descer o Monte Ida, espaço sagrado da mitologia greco-romana. Ida é o nome da protagonista de Outside Over There, o último livro da «trilogia deslaçada» de Sendak, a sua obra mais pessoal e mais enigmática, da qual ele próprio confessou ter tido dificuldades em sair. «Foi a experiência mais penosa da minha vida enquanto criador. Uma verdadeira catástrofe. Foi tão duro que acabei por ter uma depressão», afirmou, numa entrevista à Horn Book Magazine, em 2003. Ida, a menina que parte em busca da irmã bebé raptada por duendes, é uma homenagem à sua irmã, Natalie Sendak, nove anos mais velha. O bebé raptado não é outro se não «o próprio» Sendak, revisitando um dos acontecimentos mais marcantes da sua infância: o rapto criminoso do bebé Lindbergh, que assustou o mundo em Março de 1932 (seria descoberto dois meses mais tarde, já morto). Maurice Sendak, então com apenas quatro anos, não compreendeu como era possível a tragédia abater-se sobre uma criança rica e superprotegida pelos pais, o seu oposto enquanto filho de emigrantes pobres que não falavam inglês, nos Estados Unidos de todas as oportunidades. Ida, a personagem-irmã de Outside Over There, menina corajosa, intensa e pletórica (tal como Afrodite) vem resgatar não apenas o bebé da história, mas toda uma possibilidade de justiça e ressurreição da vida interrompida. A essa ressurreição também se chama Arte.
Outside Over There ficou, em português, para a tradução da Kalandraka que será publicada este ano, O Que Está Lá Fora. Quero dizer: tudo o que nos assusta e que nos atrai ao mesmo tempo. Tudo o que está lá fora e cá dentro, como as muitas encostas do Monte Ida.
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1 comentário:
A história na base da estória é, de facto, arrepiante, quanto mais para uma criança! Obrigada por no-lá contar!;)
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