quinta-feira, 4 de setembro de 2014
A ESCRITA E A ARTE DO TIRO COM ARCO
A única guerra que um escritor deve esforçar-se por vencer é contra o seu próprio ego. Só assim poderá adoptar uma atitude simultanemente crítica, activa e observadora, indispensável à percepção do mundo sem a influência dos anões devoradores da criatividade: o narcisismo, a insegurança, a vaidade e a autocondescendência, entre outros. Nessa batalha terá como principal aliado o conhecimento armazenado no seu corpo (inconsciente, em grande parte), que lhe chegará através das palavras e das imagens mentais, nesses momentos de grande «dilatação psíquica» de que falava Bachelard. O medo de que o corpo se antecipe à mente e fale o que preferiríamos calar é uma das razões da nossa esmagadora solidão. Proibimo-nos de ser naturais e damos rédea curta à nossa presença animal, ligada ao instinto, à harmonia e ao afecto. A deseducação do corpo será, creio, a principal causa das doenças degenerativas individuais e sociais. Um escritor comprometido com o seu tempo e a sua arte tem a obrigação de trabalhar diariamente para curar essa ferida colectiva. Para isso, deve deixar que o corpo o guie na direcção escolhida, com estratégia, mas sem demasiado esforço e absolutamente nenhum calculismo.
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