segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

HISTÓRIA DA LEBRE DE CHUMBO


«Onde vai buscar as ideias para os seus livros?» Apesar de mil vezes repetida, esta pergunta contém uma curiosidade genuína, porque participa do mesmo mistério: o leitor questiona o escritor para que o escritor se questione. Já lhe respondi de várias maneiras, consoante as idades a que me dirijo, mas creio que a resposta mais simples e mais verdadeira será: vou buscar as ideias àquilo que me acontece. Ou, para ser exacta: vou buscar as ideias àquilo que acontece na minha vida interior; sempre nas entrelinhas das circunstâncias, dos eventos, dos factos, dos enunciados externos. Se não preservar a possibilidade desse espaço aberto e ilimitado, posso dar a volta ao mundo e regressar sem nada para contar. Consigo localizar de forma bastante precisa as ideias prévias a cada livro, a memória sensorial que as acompanha (onde estava, com quem estava, o que fazia...), mas ter um objecto na mão e poder partilhá-lo com os leitores é algo especial.

A Lebre de Chumbo, o conto de fadas que escrevi para a colecção da APCC (Associação para a Promoção Cultural da Criança) começou com a réplica homónima que se pode ver nesta imagem: uma pequenina lebre de chumbo encontrada numa loja de velharias de Lisboa, na zona do Rato. Nunca lá tinha entrado. Foi o único objecto que me chamou a atenção e, mal olhei para ela, exposta dentro de uma cristaleira, soube imediatamente que era para mim. Custou-me dez euros.

A lebre, animal associado à lua e ao feminino, simboliza em vários contos o valor do sacrifício, no sentido de «sacro ofício»: acto sagrado para a pessoa que o realiza em nome de algo ou de alguém. Há quem goste muito desse conto, há quem não goste e há quem não o entenda. Está tudo certo. Escrever para agradar ao leitor é a morte do artista.

E, por falar nisso, eis como a lebre de chumbo foi vista pelo Alex Gozblau:


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