quinta-feira, 22 de setembro de 2016

MARIA TERESA ANDRUETTO EM ENTREVISTA À BLIMUNDA




A argentina Maria Teresa Andruetto, senhora de um profundo e originalíssimo pensamento sobre a escrita e a leitura, foi a jóia da coroa das Palavras Andarilhas deste ano, em Beja. Falámos dela na sequência da atribuição do Prémio Hans Christian 2012 de Literatura, aqui. A Andreia Brites entrevistou-a para a Blimunda de Setembro, que pode ser lida ou descarregada aqui. Copiei três perguntas/respostas para o Jardim Assombrado e permiti-me aplicar uns sublinhados em alguns pontos (em itálico):

AB: Que balanço faz destes últimos trinta anos ao nível da formação leitora na Argentina?
MTA: Desde 1984, quando comecei a trabalhar nesta área, até ao presente houve um desenvolvimento muito grande na formação leitora de professores na Argentina. Também houve um crescimento muito grande da literatura para crianças. Claro que se edita muita porcaria também mas há mais editoras e mais qualidade nos escritores e nos ilustradores e um trabalho maior por parte da crítica. Sobretudo há uma muito maior formação de professores leitores. Há que ver isto de um modo particular: quando digo mais formação estou a pensar em mais inclusão. É muito importante esta diferença: mais quantidade de professores que se formam, maior quantidade de crianças que acedem à leitura nas escolas, porque se trata de escolas públicas. Antes havia uma grande diferença entre algumas escolas privadas, urbanas, de grandes cidades e as escolas públicas de aldeias pequenas e isso mudou. Há muito por fazer, todavia. Há muito para crescer. Temos um governo novo, desde dezembro passado, e não estamos no melhor momento. As pessoas estão a reclamar porque foram suspensos muitos projetos de desenvolvimento cultural, nomeadamente as compras estatais de livros para as escolas públicas de todo o país. Nos últimos dez anos compraram-se 90 milhões de exemplares de livros para as escolas públicas.

AB: E quem escolhe os livros para comprar?
MTA: Em 2008 houve uma mudança que me parece muito importante. Se há uma equipa de cinco pessoas, por mais que sejam excelentes, a selecionar compras milionárias há muita pressão das editoras. Então, em 2008 as pessoas que integravam as equipas de compras de livros passaram a ser à razão de duas ou três por província, professores do secundário e politécnico nomeados para uma comissão de dois meses para ler os livros, com um contrato de confidencialidade para não divulgarem a sua identidade. No total eram 70 pessoas. Isso parece-me que tornou a seleção mais diversificada, não tão urbana, não tão de Buenos Aires, com outras perspetivas e é muito mais difícil encontrar uma maneira de subornar 70 pessoas do que quatro ou cinco. Isso por um lado. Por outro lado, tudo o que se comprou desde 2008 foi para todas as escolas do país, ou seja, uma escola rural na Patagónia recebe o mesmo número de caixas que uma escola de um bairro da capital.

AB: Foi distinguida com o Prémio Hans Christian Andersen, em 2012, o maior na área da literatura infantil e juvenil. No discurso de entrega do prémio terminou dizendo não conseguir, então, compreender o seu alcance. Hoje já conseguiu?
MTA: Às vezes parece que não aconteceu. Hoje reconheço que o prémio me trouxe muitas coisas. Esse foi o alcance que não previ: talvez não estivesse aqui, não tivesse ido a tantos lugares onde me convidaram se não tivesse os meus livros traduzidos em línguas que nunca tinha imaginado. Nesse aspeto houve mudanças mas na minha relação mais profunda com a escrita não, nem tão-pouco com a minha vida pessoal. Talvez porque já tinha uns bons anos. Também porque na América-Latina já tinha muitos leitores e disso estou muito orgulhosa. Comecei a ser conhecida da periferia para o centro. Primeiro na minha cidade, onde agora há muitas editoras mas na altura não. Comecei a publicar em 1993 e em 2003, passados dez anos, descobri que tinha mais leitores do que pensava. Porquê o orgulho? Porque acredito que o escritor constrói os seus leitores, que constrói o tipo de leitores que quer para os seus livros. Nos primeiros dez anos vendia muito pouco. Ganhava prémios mas os editores reclamavam. Stefano chegou a ser devolvido porque não se vendia. As escolas rejeitavam-no porque ali também foi preciso mudar a condição leitora dos professores. Aí começaram a tolerar questões mais complexas. Bom, fui crescendo com os meus leitores e os meus leitores foram crescendo com os meus livros. Quando o Andersen chegou fiquei muito surpreendida porque nunca imaginei ganhar. Quando fui nomeada pela Argentina comemorei, porque, isso sim, considerei um prémio. Comemorei em família e tudo. O prémio não o esperava. Mas agradeço-o, como agradeço tantas outras coisas que a vida me deu.

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