A argentina Maria Teresa Andruetto, senhora de um
profundo e originalíssimo pensamento sobre a escrita e a leitura, foi a jóia da
coroa das Palavras Andarilhas deste ano, em Beja. Falámos dela na sequência da
atribuição do Prémio Hans Christian 2012 de Literatura, aqui. A Andreia Brites
entrevistou-a para a Blimunda de Setembro, que pode ser lida ou
descarregada aqui. Copiei três perguntas/respostas para o Jardim Assombrado e permiti-me
aplicar uns sublinhados em alguns pontos (em itálico):
AB: Que balanço faz destes últimos trinta anos ao nível
da formação leitora na Argentina?
MTA: Desde 1984, quando comecei a trabalhar nesta área,
até ao presente houve um desenvolvimento muito grande na formação leitora de
professores na Argentina. Também houve um crescimento muito grande da
literatura para crianças. Claro que se edita muita porcaria também mas há mais
editoras e mais qualidade nos escritores e nos ilustradores e um trabalho maior
por parte da crítica. Sobretudo há uma muito maior formação de professores
leitores. Há que ver isto de um modo particular: quando digo mais formação
estou a pensar em mais inclusão. É muito
importante esta diferença: mais quantidade de professores que se formam, maior
quantidade de crianças que acedem à leitura nas escolas, porque se trata de
escolas públicas. Antes havia uma grande diferença entre algumas escolas
privadas, urbanas, de grandes cidades e as escolas públicas de aldeias pequenas
e isso mudou. Há muito por fazer, todavia. Há muito para crescer. Temos um
governo novo, desde dezembro passado, e não estamos no melhor momento. As
pessoas estão a reclamar porque foram suspensos muitos projetos de
desenvolvimento cultural, nomeadamente as compras estatais de livros para as
escolas públicas de todo o país. Nos
últimos dez anos compraram-se 90 milhões de exemplares de livros para as
escolas públicas.
AB: E quem escolhe os livros para comprar?
MTA: Em 2008 houve uma mudança que me parece muito
importante. Se há uma equipa de cinco pessoas, por mais que sejam excelentes, a
selecionar compras milionárias há muita pressão das editoras. Então, em 2008 as
pessoas que integravam as equipas de compras de livros passaram a ser à razão
de duas ou três por província, professores do secundário e politécnico nomeados
para uma comissão de dois meses para ler os livros, com um contrato de
confidencialidade para não divulgarem a sua identidade. No total eram 70
pessoas. Isso parece-me que tornou a seleção mais diversificada, não tão
urbana, não tão de Buenos Aires, com outras perspetivas e é muito mais difícil
encontrar uma maneira de subornar 70 pessoas do que quatro ou cinco. Isso por
um lado. Por outro lado, tudo o que se
comprou desde 2008 foi para todas as escolas do país, ou seja, uma escola rural
na Patagónia recebe o mesmo número de caixas que uma escola de um bairro da
capital.
AB: Foi distinguida com o Prémio Hans Christian
Andersen, em 2012, o maior na área da literatura infantil e juvenil. No
discurso de entrega do prémio terminou dizendo não conseguir, então,
compreender o seu alcance. Hoje já conseguiu?
MTA: Às vezes parece que não aconteceu. Hoje reconheço
que o prémio me trouxe muitas coisas. Esse foi o alcance que não previ: talvez
não estivesse aqui, não tivesse ido a tantos lugares onde me convidaram se não
tivesse os meus livros traduzidos em línguas que nunca tinha imaginado. Nesse
aspeto houve mudanças mas na minha relação mais profunda com a escrita não, nem
tão-pouco com a minha vida pessoal. Talvez porque já tinha uns bons anos.
Também porque na América-Latina já tinha muitos leitores e disso estou muito
orgulhosa. Comecei a ser conhecida da periferia para o centro. Primeiro na
minha cidade, onde agora há muitas editoras mas na altura não. Comecei a
publicar em 1993 e em 2003, passados dez anos, descobri que tinha mais leitores
do que pensava. Porquê o orgulho? Porque
acredito que o escritor constrói os seus leitores, que constrói o tipo de
leitores que quer para os seus livros. Nos primeiros dez anos vendia muito
pouco. Ganhava prémios mas os editores reclamavam. Stefano chegou a ser devolvido porque não se vendia. As escolas
rejeitavam-no porque ali também foi preciso mudar a condição leitora dos
professores. Aí começaram a tolerar questões mais complexas. Bom, fui crescendo
com os meus leitores e os meus leitores foram crescendo com os meus livros.
Quando o Andersen chegou fiquei muito surpreendida porque nunca imaginei
ganhar. Quando fui nomeada pela Argentina comemorei, porque, isso sim, considerei
um prémio. Comemorei em família e tudo. O prémio não o esperava. Mas
agradeço-o, como agradeço tantas outras coisas que a vida me deu.
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