domingo, 30 de outubro de 2016
CHESTERTON, O MEDO E OS CONTOS DE FADAS
«Dei-me conta de que existem realmente seres humanos que acham que os contos de fadas fazem mal às crianças. Não estou a falar do homem da gravata verde, até porque nunca poderei considerá-lo como um verdadeiro ser humano. A verdade é que uma senhora escreveu-me uma carta muito sentida a dizer que os contos de fadas não deviam ser ensinados às crianças, mesmo que sejam verdadeiros. Ela diz-me que é cruel ler contos de fadas às crianças visto que os mesmos as aterrorizam. Pela mesma lógica, poderemos então dizer que é cruel oferecer romances sentimentais às raparigas porque estes as fazem chorar. Este género de conversa baseia-se num total esquecimento do que é uma criança, esquecimento esse que tem sido o fundamento incontornável de tantos programas pedagógicos. Se mantivermos as crianças longe dos bichos-papões e dos duendes, elas acabarão por inventá-los na mesma. Uma criancinha a sós e rodeada de escuro é capaz de desvendar mais infernos do que Swedenborg. Uma criancinha é capaz de imaginar monstros tão gigantes e negros que uma só imagem não os conseguirá capturar, ao mesmo tempo que lhes atribui nomes demasiado irreais e cacofónicos para figurarem sequer nos gritos de um qualquer lunático. Em primeiro lugar, a criança sente-se naturalmente inclinada para os vários horrores, e mesmo que não goste deles não deixará de os alimentar. A dificuldade de dizer com propriedade onde é que o puro tormento começa neste caso é tão grande quanto a de dizer onde começa o nosso tormento quando decidimos encaminharmo-nos de livre vontade para a câmara de tortura de uma grande tragédia. O medo não nasce dos contos de fadas; o medo nasce do universo da alma.»
G.K. Chesterton, «O Anjo Vermelho», in Ficar na Cama e Outros Ensaios, tradução de Frederico Pedreira, ed. Relógio d'Água, 2016.
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