«A geração dos nossos pais e avós deu-nos cabo
da vida», diz um dos rapazes, o Doberman. «Depois admiram-se que a gente seja
assim um bocado...». A frase é interrompida pelo toque do telemóvel de outro
personagem. Três gerações cruzam-se num enredo familiar em que os personagens
adultos não fazem de corpo presente, só para que os adolescentes se evidenciem.
Todos são espelhos uns dos outros, mesmo quando, ou principalmente quando os
diálogos resvalam para a incomunicabilidade. Marcas deste tempo, comerciais e
emocionais, acompanham a travessia dos que ficaram. «Não é essa a questão», contrapõe
o avô de Gonçalo e Maria, filhos de pais divorciados: «Aliás, os netos, agora,
só telefonam, só aparecem quando precisam de alguma coisa. Os avós, para eles,
são um caixa automático, mais nada.» Cruel? Ana Saldanha nunca é condescendente
com os seus personagens, tão pouco com os leitores. «Vai-te foder» não é
expressão comum na literatura para os mais novos (e, de qualquer modo, é o
narrador a falar, não a autora). O recurso à metaficção fortalece o enredo, sem
que o texto perca ritmo e agilidade. O final é avassalador, quase opressivo, e
tudo se compõe sem que as marcas sejam apagadas.
Marcas
Ana Saldanha
Caminho
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