segunda-feira, 26 de junho de 2017

O COMEÇO DE UM LIVRO É PRECIOSO, 29


«Ele estava prestes a entrar na meia-idade e vivia, por essa altura, num bangaló em Woodland Avenue. O verde das ervas rasgava os degraus do alpendre e, mais acima, um ninho de abelhas estava agarrado a um espigão, bem visível. Do olmo, moribundo, pendia uma corda, enlaçada no feitio sinistro de uma forca, e o chão por baixo dela tinha sido tão esfregado pelas inúmeras marcas de botas que estava tão macio como farinha. Jesse instalara-se numa cadeira de baloiço e fumava lentamente o seu charuto, apreciando o ar da noite, enquanto a sua mulher limpava as mãos rosadas ao avental de algodão e se ocupava alegremente dos dois filhos do casal. Sempre que ele caminhava pela casa, trazia consigo vários jornais - o Daily Democrat, de Sedalia, o Gazette, de St. Joseph, e o Times, de Kansas City - e a sua pistola calibre .44, enfiada numa prega de roupa onde coubessem os seus trinta centímetros. Andava sempre com os bolsos atafulhados de lápis sem bicos. Divertia-se a atirar amêndoas aos esquilos. Gostava de entrelaçar dentes-de-leão amarelos no cabelo loiro da sua mulher. Esforçava-se por desenvolver habilidades para viajar para fora do seu corpo e interessava-se por premonições e feiticiaria. Chupava gemas cruas das cascas dos ovos e comia ervas quando estava doente, como um cão. Abria a Bíblia Sagrada sempre do mesmo modo, ou seja, com grande alarido e solenidade.»

Ron Hansen, O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, ed. Magnólia, 2007, tradução de Amândio Oliveira. Originalmente publicado em 1983.

1 comentário:

Portuguesinha disse...

Que interessante descrição!!

Título fantástico.