Há vinte anos era assim. As fotografias trazem-me apenas a vaga memória da dear dirty Dublin de James Joyce, onde fui parar a meio de uma viagem de Inter-rail. Lembro-me melhor da travessia de barco entre França e o sul da Irlanda, dezassete horas de enjoo num ferry-boat ronceiro e apinhado de passageiros que ficariam bem em qualquer episódio da série Little Britain. Sim, dezassete longas horas de balanço sórdido, capaz de revoltar qualquer estômago. Mas o que era isso, comparado com a fabulosa evidência de estar fora de casa, fora de si, fora de tudo? Não, não era assim tão bom. A nostalgia é amiga íntima da mitificação. Fiz dois Inter-rails de mochila às costas, apanhei framboesas na Escócia e feijão-verde em Inglaterra, lavei pratos num hospital psiquiátrico em Worcester e dormi em Victoria Station, pontualmente acordada pelos polícias. Coisas normais da idade. Luxo eram as casas de banho dos comboios do norte da Europa, onde quase se podia tomar banho, e um almoço no ainda exótico McDonald's, para variar das sanduíches de queijo ou fiambre. Agrada-me ter feito tudo isso na altura certa, mas tenho bem presente a inquietação que sobrava dessa liberdade à deriva, incapaz de se apaziguar sozinha, incapaz de se consolar com livros e paisagens e catedrais e alegres mercados de rua. À distância, não tenho dúvidas: as melhores viagens que fiz foram as últimas. E, acima de tudo, as que ainda faltam fazer.
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