sábado, 17 de janeiro de 2009

A LAREIRA DE SOMERSET MAUGHAM


Isto não é mais do que um fait-divers destinado a quem se interessa pela memorabilia dos escritores. Na Casa-Museu da Fundação Medeiros e Almeida, entre salões carregados de mobiliário Luís XV e Luís XVI, pratarias e porcelanas que reflectem os gostos conservadores do proprietário, o único objecto de relevo associado ao mundo dos livros é, precisamente, uma lareira em mármore branco esculpido que pertenceu ao escritor Somerset Maugham, autor de Servidão Humana, O Fio da Navalha e outros romances e contos que hoje se consideram fora de moda. Li alguns durante a adolescência, por sugestão do meu pai, que neles via “uma psicologia profunda” (e que ficou muito decepcionado quando soube que Maugham era homossexual…). Gostava de os revisitar para ver que impressão me provocam agora.

Enfim, a lareira. António Medeiros e Almeida, homem de negócios e diplomata que deu cartas durante o anterior regime (embora o texto biográfico do catálogo o considere “muito ligado a Inglaterra”, “ajudando a gerir as tensões entre Winston Churchill e Salazar”) , comprou-a por sete mil libras num antiquário de Londres. Veio de uma casa em Chesham Place, onde Somerset Maugham terá passado pouco tempo, já que viveu sobretudo em França. Não foi propriamente uma pechincha, mas Medeiros e Almeida acumulou a sua opulenta colecção de artes decorativas sem olhar ao dinheiro, embora regateando o mais que podia, sob o argumento de que os objectos se destinavam à exposição pública, como de facto veio a acontecer. Aberta ao público em 2001, a Casa-Museu da Fundação Medeiros e Almeida é o centro nevrálgico de um quarteirão de Lisboa cujas rendas garantem a sobrevivência folgada da instituição. E isso representa uma tranquilidade para o visitante. Não há cá cheiros a humidade, correntes de ar, cantos mal iluminados e outras maleitas da maioria dos nossos museus. O sistema de luzes da exposição temporária “Realidade e Capricho”, um núcleo de pintura flamenga e holandesa, é um luxo. Quantas exposições de arte ou fotografia são mortas à partida pela ineficácia da iluminação…

Sente-se a falta de duas coisas “normais” numa moradia desta natureza: um jardim e uma biblioteca. O primeiro desapareceu para dar lugar à ampliação da colecção de arte. A segunda nunca existiu. Fica-se a pensar no acervo que poderia ter sido legado, se António Medeiros e Almeida fosse um homem dado aos livros. Não era. A lareira de Somerset Maugham não passou de uma pequena excentricidade de coleccionador. Também, não se pode ter tudo.

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