Eu disse que não havia “minúsculas no amor”? Foi só uma força de expressão, adequada ao tema do post anterior. Isso a que também chamam amor está cheio de miudezas, até no sentido visceral do termo. Veja-se como o medo primitivo da fome e da carência irrompeu neste caso patético de que tomei conhecimento pelo Mar Salgado: o casal de vinte anos que se separou depois do prémio do euromilhões e anda agora às avessas nos tribunais. Decidir quem teve o toque de Midas – se ele, porque registou o boletim, se ela, porque pôs a cruz no sítio certo – tornou-se uma questão de vida ou de morte para os contemplados e respectivas famílias desavindas. Dir-me-ão que não é um caso de carência, mas de ganância. Tenho dúvidas. Os medos primitivos vão-se sofisticando; e o que antes era o pavor de não aforrar comida suficiente para o Inverno transformou-se na vergonha de não mudar de carro de dois em dois anos, ou de não passar férias na República Dominicana para vizinhança ver. Por mim, encantada. Acho bem que estes dois se separem antes de se terem casado. Que vão morrer longe um do outro. Sempre é menos uma família que se estraga. Porque quem não se entende por causa de 15 milhões de euros é capaz de pedir o divórcio por muito menos. E depois andar ao estalo para decidir quem fica com o estúpido casal de passarinhos de louça comprado nas Festas da Nossa Senhora da Agonia, naquele dia em que o amor se derretia na boca como um farrapo de algodão-doce.
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