Em entrevista à Notícias Magazine deste domingo, Luísa Costa Gomes fala do último livro, Ilusão (Ou o Que Quiserem), da sua experiência como escritora e professora, dos hábitos de leitura, de Portugal e dos portugueses, da vida e do mundo em geral. Certeira e lúcida, as usual. Gostaria de ter publicado este post ontem, mas só há pouco consegui o texto em word. Aqui ficam alguns excertos. A entrevista foi conduzida por Elisabete Pato.
[Sobre o último livro:]
NM: Ela é professora. São marido e mulher.
LCG: Eles são casados e vivem juntos há 12 anos. Estão a tentar sobreviver à relação, que está deprimida. Ela acaba por ter um search pedagógico, que a leva a sair de casa e ser mais professora, estar mais próxima dos alunos. É um livro sobre a mentira e sobre a falsificação da realidade. Toda a gente mente. Toda a gente está sempre a dizer coisas numa linguagem mágica em que se julga que por se dizer as coisas, elas ficam resolvidas. Há de facto todo um investimento na linguagem como sistema mágico de transformação da realidade. É isso que satirizo no romance e que, profundamente, me diverte.
[Sobre a escola e os alunos:]
NM: Qual é maior riqueza em dar aulas?
LCG: É o contacto com os alunos. Os miúdos são normalmente interessantes. Para mim, as crianças são pessoas interessantes.
NM: Porque ainda estão, digamos, "em bruto"?
LCG: Não sei porquê. Por exemplo, são muito mais interessantes do que os adolescentes. As crianças ainda não estão massificadas, ainda não têm a imaginação formatada. Para mim é muito deprimente ouvir contar a mesma historia uma vez e outra e outra. Os adolescentes não só não têm imaginação como não sabem o que é ter imaginação. Não há sequer o sentimento de uma falta. O que é importante é o formato. É ser igual a toda a gente, é pertencer a um grupo, a um clã. E as crianças ainda têm criatividade.
NM: É fácil combater com estórias literárias as novas tecnologias e o facto de as crianças verem mais televisão e mais cedo?
LCG: Sim, é. Não é nada difícil pôr uma criança a ler ou a discutir o livro de uma maneira interessante e original. Há, sobretudo, entusiasmo nas crianças. É o que me dá alegria de viver. A curiosidade e aquela efervescência....
[Sobre a leitura e os livros:]
NM: Os portugueses são muitas vezes acusados de falta de hábitos de leitura. Como é que olha para isso?
LCG: É um problema complexo. Nós passámos do analfabetismo para uma fase de iliteracia. Tínhamos uma população completamente analfabeta, ninguém lia. Lembro-me que em 1975 a média de leituras era de um livro por pessoa, por ano, e isso acho que mudou. As pessoas lêem muito mais, mas maus livros, que não interessa ler. Isto é politicamente incorrecto dizer. Tenho tido muitas discussões com professores e responsáveis, que consideram que o que é importante é ler, o que quer que seja. Na minha opinião, isso é uma perversão da leitura porque, provavelmente, as pessoas pensam que estão a ler e não estão. Estão a ver televisão, Quando uma pessoa está a ler O Código Da Vinci, está de facto a ver televisão. A leitura implica alguma actividade, algum esforço. Isto é muito impopular dizer, mas é a minha opinião. Penso que o leitor faz-se primeiro com alguma indiscriminação. Quando era miúda também lia tudo o que me passava à frente e depois fui percebendo o que é que era bom. Agora, e isto é provavelmente uma grande arrogância, sou completamente incapaz de ler um livro mau.
NM: O que é um livro bom, para si?
LCG: Almas Mortas [1842], de [Nikolai] Gogol; A Cidade e as Serras [1901], de Eça de Queiroz, por exemplo. É tão simples perceber o que é um livro bom. É um livro extremamente bem escrito, importante, influente, que fez uma época, marcou pessoas de uma forma esteticamente fecunda. Não é um livro que é feito industrialmente, segundo um formato, igual aos outros todos.
[Sobre a vida portuguesa:]
NM: Sente-se bem a viver em Portugal?
LCG: Muito bem. Adoro viver aqui e sempre que vou ao estrangeiro, no regresso agradeço a Deus ter-me feito nascer aqui. É um país que tem tudo o que eu acho importante: paz, silêncio, mar, muitas praias maravilhosas, um clima extraordinário, com pessoas que não são ainda impelidas pelo trabalho, pelo ganhar dinheiro. Estamos a caminhar para lá, mas ainda não estamos completamente civilizados.
NM: Apesar de muitas vezes os portugueses serem conotados com a tristeza, a melancolia ...
LCG: Não acho, pelo contrário. Hoje em dia, não sei se é dos anti-depressivos ou dos brasileiros, estamos muito mais alegres. Acho que deixou de haver uma caução social sobre a tristeza. Nós já não temos paciência para as pessoas que se queixam permanentemente, que estão muito tristes. Isso é curioso porque criou uma culpabilização em relação à tristeza. As pessoas hoje em dia não conseguem estar tristes porque toda a gente está sempre com um pensamento muito positivo e isso obriga as pessoas a serem positivas. Há uma indústria do optimismo e do pensamento positivo que é ela própria muito deprimente.
NM: Identifica-se com a política portuguesa ou não lhe liga?
LCG: Ligo muito pouco. Sou muito egoísta nesse ponto. Ligo às pessoas que estão à minha volta, ao meu bairro, se for precisa alguma coisa podem contar comigo. Em relação às coisas gerais, sou muito egoísta. Tenho pouco tempo. Vivo muito envolvida com aquilo que estou a fazer, quer dizer, só consigo trabalhar e escrever quando estou completamente obcecada e envolvida. Não consigo estar a fazer uma manifestação e ao mesmo tempo a escrever. O meu trabalho não me isola, mas é aquilo que é importante para mim.
[Sobre o último livro:]
NM: Ela é professora. São marido e mulher.
LCG: Eles são casados e vivem juntos há 12 anos. Estão a tentar sobreviver à relação, que está deprimida. Ela acaba por ter um search pedagógico, que a leva a sair de casa e ser mais professora, estar mais próxima dos alunos. É um livro sobre a mentira e sobre a falsificação da realidade. Toda a gente mente. Toda a gente está sempre a dizer coisas numa linguagem mágica em que se julga que por se dizer as coisas, elas ficam resolvidas. Há de facto todo um investimento na linguagem como sistema mágico de transformação da realidade. É isso que satirizo no romance e que, profundamente, me diverte.
[Sobre a escola e os alunos:]
NM: Qual é maior riqueza em dar aulas?
LCG: É o contacto com os alunos. Os miúdos são normalmente interessantes. Para mim, as crianças são pessoas interessantes.
NM: Porque ainda estão, digamos, "em bruto"?
LCG: Não sei porquê. Por exemplo, são muito mais interessantes do que os adolescentes. As crianças ainda não estão massificadas, ainda não têm a imaginação formatada. Para mim é muito deprimente ouvir contar a mesma historia uma vez e outra e outra. Os adolescentes não só não têm imaginação como não sabem o que é ter imaginação. Não há sequer o sentimento de uma falta. O que é importante é o formato. É ser igual a toda a gente, é pertencer a um grupo, a um clã. E as crianças ainda têm criatividade.
NM: É fácil combater com estórias literárias as novas tecnologias e o facto de as crianças verem mais televisão e mais cedo?
LCG: Sim, é. Não é nada difícil pôr uma criança a ler ou a discutir o livro de uma maneira interessante e original. Há, sobretudo, entusiasmo nas crianças. É o que me dá alegria de viver. A curiosidade e aquela efervescência....
[Sobre a leitura e os livros:]
NM: Os portugueses são muitas vezes acusados de falta de hábitos de leitura. Como é que olha para isso?
LCG: É um problema complexo. Nós passámos do analfabetismo para uma fase de iliteracia. Tínhamos uma população completamente analfabeta, ninguém lia. Lembro-me que em 1975 a média de leituras era de um livro por pessoa, por ano, e isso acho que mudou. As pessoas lêem muito mais, mas maus livros, que não interessa ler. Isto é politicamente incorrecto dizer. Tenho tido muitas discussões com professores e responsáveis, que consideram que o que é importante é ler, o que quer que seja. Na minha opinião, isso é uma perversão da leitura porque, provavelmente, as pessoas pensam que estão a ler e não estão. Estão a ver televisão, Quando uma pessoa está a ler O Código Da Vinci, está de facto a ver televisão. A leitura implica alguma actividade, algum esforço. Isto é muito impopular dizer, mas é a minha opinião. Penso que o leitor faz-se primeiro com alguma indiscriminação. Quando era miúda também lia tudo o que me passava à frente e depois fui percebendo o que é que era bom. Agora, e isto é provavelmente uma grande arrogância, sou completamente incapaz de ler um livro mau.
NM: O que é um livro bom, para si?
LCG: Almas Mortas [1842], de [Nikolai] Gogol; A Cidade e as Serras [1901], de Eça de Queiroz, por exemplo. É tão simples perceber o que é um livro bom. É um livro extremamente bem escrito, importante, influente, que fez uma época, marcou pessoas de uma forma esteticamente fecunda. Não é um livro que é feito industrialmente, segundo um formato, igual aos outros todos.
[Sobre a vida portuguesa:]
NM: Sente-se bem a viver em Portugal?
LCG: Muito bem. Adoro viver aqui e sempre que vou ao estrangeiro, no regresso agradeço a Deus ter-me feito nascer aqui. É um país que tem tudo o que eu acho importante: paz, silêncio, mar, muitas praias maravilhosas, um clima extraordinário, com pessoas que não são ainda impelidas pelo trabalho, pelo ganhar dinheiro. Estamos a caminhar para lá, mas ainda não estamos completamente civilizados.
NM: Apesar de muitas vezes os portugueses serem conotados com a tristeza, a melancolia ...
LCG: Não acho, pelo contrário. Hoje em dia, não sei se é dos anti-depressivos ou dos brasileiros, estamos muito mais alegres. Acho que deixou de haver uma caução social sobre a tristeza. Nós já não temos paciência para as pessoas que se queixam permanentemente, que estão muito tristes. Isso é curioso porque criou uma culpabilização em relação à tristeza. As pessoas hoje em dia não conseguem estar tristes porque toda a gente está sempre com um pensamento muito positivo e isso obriga as pessoas a serem positivas. Há uma indústria do optimismo e do pensamento positivo que é ela própria muito deprimente.
NM: Identifica-se com a política portuguesa ou não lhe liga?
LCG: Ligo muito pouco. Sou muito egoísta nesse ponto. Ligo às pessoas que estão à minha volta, ao meu bairro, se for precisa alguma coisa podem contar comigo. Em relação às coisas gerais, sou muito egoísta. Tenho pouco tempo. Vivo muito envolvida com aquilo que estou a fazer, quer dizer, só consigo trabalhar e escrever quando estou completamente obcecada e envolvida. Não consigo estar a fazer uma manifestação e ao mesmo tempo a escrever. O meu trabalho não me isola, mas é aquilo que é importante para mim.