segunda-feira, 4 de outubro de 2010
A RESIDÊNCIA ESPANHOLA, 3
Outubro é um mês incerto, com coisas que fazem um homem feliz. “Hoje está sol”, dizia-me Ramalingam à hora do pequeno-almoço, na linguagem dos que não entendem a linguagem dos surdos-mudos. Chegámos ao aeroporto de Barcelona com apenas quatro horas de intervalo, mas enquanto eu demorei o tempo que se gasta diariamente no IC19, ele viajou desde Chennam, no sudeste da Índia, à procura da famosa luz mediterrânica de Van Gogh e Picasso, dois dos seus pintores preferidos. Ganhou o desconto parcial que Can Serrat oferece anualmente aos artistas e pediu um empréstimo de 810 euros ao banco para chegar aqui, quase sem saber falar. Também vê mal. Observa o mundo como se habitasse um túnel feito de luz e de sombras; não tem visão periférica, explica. Mede cada passo com cautela, segue o movimento dos lábios de quem fala, recorre à caneta e ao bloco-notas a maioria das vezes. Hoje, pela primeira vez, trabalhou todo o dia num dos ateliers da residência. Por isso o Sol, por isso a luz tão desejada. Nós, que nos queixamos de tudo, bem que podíamos estar calados de vez em quando.
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