quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ROALD DAHL: O GIGANTE NÃO TÃO SIMPÁTICO


Odiado por uns, amado pela maioria, Roald Dahl morreu há vinte anos. Autor de dezenas de short stories adaptadas para as séries de televisão Contos do Imprevisto e Hitchcock Apresenta, foi como escritor de literatura para crianças que se distinguiu, em parceria com o ilustrador Quentin Blake.

Só na década que precedeu a sua morte, a 23 de Novembro de 1990, venderam-se onze milhões de livros do escritor que um número indeterminado de professores, bibliotecários e críticos classificou como «não recomendável». Depois de morrer, em Oxford, aos 74 anos, feito o diagnóstico de leucemia e uma vida inteira de dedicação aos cigarros, álcool e analgésicos, Roald Dahl continuou – até hoje – a suscitar as mais antagónicas reacções.

Nos Estados Unidos, país onde se estreou literariamente, com uma narrativa de não-ficção sobre a sua experiência como piloto da RAF (publicada na Saturday Evening Post, em 1942), Dahl é agora inconciliável com os tempos do politicamente correcto. O seu humor selvático, sustentado numa predisposição intrínseca para a ironia e para o grotesco, atinge especialmente os personagens de adultos, muitas vezes retratados como bárbaros estúpidos e capazes das maiores vilanias contra os mais fracos. Veja-se o casal de Os Tontos (The Twits), Mrs. Trunchbull, a directora de escola em Matilde (Matilda), ou esse desfile de horrores carnavalescos que é As Bruxas (The Witches), uma das suas obras mais polémicas.

A enredos de estrutura transparente, consistindo no reavivar da luta mítica do herói contra o Mal, Roald Dahl acrescentou a singularidade da sua imaginação e a sua memória obsessiva (e o bom trabalho dos seus editores, justiça lhes seja feita). Nos seus livros não há sentimentalismos, mas há afectos e emoções intensas. Nascido em Cardiff, no País de Gales, de pais noruegueses, «vinha de uma família de bons cozinheiros e bons contadores de histórias», como lembra um dos seus biógrafos, Jeremy Treglown. A mãe foi, segundo o próprio, «a primeira influência», ampliada pelo desaparecimento prematuro do pai e de uma irmã, quando ele tinha apenas três anos.

Repetindo o padrão familiar, uma série de acontecimentos trágicos acompanharia a vida pessoal de Roald Dahl, ao longo dos trinta anos conturbados de casamento com a actriz Patricia Neal. Também a experiência dos colégios internos ingleses, com os seus castigos sádicos e permanente clima de bullying, lhe deixou marcas indeléveis. No entanto, muitos dos seus heróis e heroínas – quase sempre crianças – são animados por um espírito combativo e industrioso, expurgado do narcisismo e arrogância de que o autor era acusado, entre outros defeitos. O «gigante amigo», citando um dos seus livros mais felizes, O GAG (The BFG), podia não ter o melhor feitio e carácter do mundo, mas deixou-nos grandes livros, à imagem dos seus quase dois metros de altura.


(Texto publicado na edição nº 96 da LER. Por lapso, é dito que Matilde, Os Tontos e As Bruxas têm edição da Teorema, quando a colecção referida pertence à Terramar. No próximo número será feita a rectificação.)

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