terça-feira, 6 de setembro de 2011
O TESOURO DO RIO
O Silêncio da Água é um fragmento retirado do livro As Pequenas Memórias, evocação autobiográfica da infância e primeira adolescência de José Saramago. Descreve um episódio não extraordinário no quotidiano de um rapaz do campo: o dia em que um peixe do rio morde o isco e, depois de alguma luta, lhe arrebata os «petrechos de pesca», deixando-o com uma «cana inútil e ridícula nas mãos». O rapaz insiste, correndo a casa para «armar outra vez a cana de pesca e regressar para ajustar contas com o monstro». Valendo por si próprio, o texto ganha outra nitidez e intensidade emocional graças às ilustrações de Manuel Estrada (Madrid, 1953), que atribui à água as qualidades da escrita – as letras dispersas na torrente conduzem a essa extrapolação simbólica. A luta do protagonista transforma-se, assim, no resgatar da linguagem às profundezas do rio, sendo a cana o equivalente às ferramentas do escritor. Nesse dia, o «monstro» não volta, como é de prever. Porém, com o anzol nas guelras, à semelhança de Moby Dick, será alvo de uma perseguição incansável até que devolva a palavra certa. O que acabou por acontecer.
O Silêncio da Água
José Saramago
Ilustrações de Manuel Estrada
Caminho
(Texto publicado na edição da LER nº 105, secção “Leituras Miúdas”. Manuel Estrada, um dos mais conceituados artistas gráficos espanhóis, assina o design editorial dos livros de José Saramago na Alfaguara.)
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