CMA: O seu primeiro livro é Uma História com Muitas Letras (Livros Horizonte, 1982). Nestes 30 anos de carreira literária, quais os momentos que tiveram mais importância?
ÁLVARO MAGALHÃES: Justamente a publicação desse meu primeiro livro, que foi uma simples experiência, e o facto desse e dos meus quatro livros seguintes terem sido metodicamente premiados. Foi a confirmação de uma vocação forte, um acontecimento decisivo que traçou um rumo imprevisto. Tencionava escrever poesia e, por essa altura, já tinha publicado dois livros de poesia para adultos, mas logo percebi que poesia e literatura infantil, tal como entendo esta última, não eram coisas diferentes. Tenho até a estranha convicção de que só os poetas estão aptos para a melhor literatura dita infantil, a que serve crianças e adultos com igual proveito e fervor. Penso que nos meus livros, com poucas excepções (a série Triângulo Jota e estas duas recentes, o Valentim e o Lucas, que são outras coisas), há uma dimensão poética que é estruturante. E não falo dos falsos brilhos decorativos que são confundidos com o poético, mas algo que está lá enquanto essência e não enquanto resíduo. Algures entre o real e o imaginário há um lugar poético. É aí que nascem todos os meus livros. Outro momento marcante aconteceu no início dos anos 90, quando comecei a série juvenil Triângulo Jota, cujo sucesso foi o impulso de que necessitava para passar a viver (bem, é claro, ou não valeria a pena) exclusivamente da escrita, o que já acontece há mais de vinte anos. Não há vida melhor. Quanto aos tais 30 anos, confesso não dei por nada. Acho que estava demasiado ocupado a inventar histórias, ou então a escolher as palavras que as contam melhor. Mas sinto-me como no primeiro dia, ou seja, pronto para começar. O tempo faz de nós pessoas idosas, mas, na verdade, mudamos pouco.
CMA: Creio que se podem distinguir três grandes blocos criativos (não confundir com bloqueios criativos...) na sua obra. O Álvaro Magalhães poeta, o Álvaro Magalhães do Triângulo Jota e o Álvaro Magalhães do Vampiro Valentim (e, agora, do Lucas Scarpone, no mesmo género). Este caminho corresponde à necessidade de encontrar novas vozes narrativas ou de ajustar-se a um mercado que, em 30 anos, mudou imenso?
ÁLVARO MAGALHÃES: Depois de acrescentar ao bloco do Triângulo Jota os romances juvenis A Ilha do Chifre de Ouro e O Último Grimm, consigo divisar ainda mais dois blocos; um é o dos livros de contos ou pequenas narrativas (”O senhor do seu nariz”, “Histórias pequenas de bichos pequenos”, “Hipopóptimos”, “Três histórias de amor”, “Contos do lápis verde”, os quatro contos da Mata dos Medos, etc), e o outro é o dos textos dramáticos, que são regularmente representados no Teatro da Vilarinha, de que eu e o Manuel António Pina fomos (e eu sou ainda) uma espécie de autores residentes (”Todos os rapazes são gatos”, “Enquanto a cidade dorme”, “História de um segredo”, etc). Gosto da diversidade, sinto-me bem em qualquer registo ou suporte. Encontro até nisso uma marca de prazer. O caso da poesia é diferente, mas tudo o resto se resume a contar uma história com o máximo de eficácia e plasticidade possível. Adaptação ao mercado? Sim, tenho feito adaptações pontuais, pois os leitores vão mudando ao longo do tempo. E as editoras também as fazem. Por exemplo, nesta altura, textos mais facilmente comercializáveis, como o Vampiro Valentim e Lucas Scarpone correm mais depressa do que outros, mais literários, que esperam a sua vez de ver a luz do dia…
(...)
(Parece que o blogger está bem disposto. Esta é a primeira parte da entrevista a Álvaro Magalhães, que tive de passar a «texto corrido» e encaixar nuns modestos 2500 caracteres destinados às páginas da LER 119. Com a autorização do escritor, vou publicar aqui o texto completo, porque vale a pena ler. Sem mais.)
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