A BELA E O MONSTRO Meio-homem, meio-animal, o Monstro não é flor que se cheire. Quanto a Bela, rapariga modesta e prendada, vê no autossacrifício a maior das virtudes. Só mesmo um desencantamento para salvar esta triste história.
Em 1946, Jean Cocteau
adaptou-o ao cinema e criou um prodígio de imaginação cenográfica e alegórica. A Bela e o Monstro, também conhecido por
A Bela e a Fera, é um dos mais populares
contos de fadas, celebrizado na Europa pela versão literária de Madame Le
Prince de Beaumont, publicada em 1757. Desde então, tem produzido estragos
consideráveis em inúmeras famílias, sensíveis à cantiga do «ele é bom rapaz, um
pouco tímido, até». Pois se é verdade que existem monstros capazes de inspirar compaixão,
como Frankenstein, King Kong ou o Corcunda da Nôtre-Dame, outros há cujo trato
é tão inútil e danoso como mandar o Freddy Krueger à manicura.
O Monstro da Bela não é dos piorzinhos, sobretudo se o compararmos com Barba-Azul, nosso psicopata de eleição, mas não temos outro remédio se não julgá-lo pelas aparências: «Além de ser feio, não tenho inteligência: sei que não passo de um animal», admite. Quem fala assim não é gago, mas Bela é uma mulher de palavra: «Estou disposta a abandonar-me à sua fúria e sinto-me muito feliz, porque, morrendo, terei a alegria de salvar meu pai e de lhe provar o meu amor.» Recorde-se que é o pai de Bela o primeiro a concordar com o sacrifício de uma das filhas ao Monstro, mesmo quando os irmãos mais velhos se prontificam a ir lá limpar-lhe o sebo. E fá-lo para salvar o próprio pelo, na boa tradição dos pais tiranos/ausentes/incestuosos dos contos de fadas: A Gata Borralheira, Pele de Burro, Branca de Neve e outros que tais (depois admiram-se).
Há quem veja nesta transferência edipiana uma conquista da maturidade. «Neste conto tudo é bondade e devoção amorosa de um pelo outro, da parte dos três personagens: a Bela, seu pai e o Monstro», escreve Bruno Bettelheim, na Psicanálise dos Contos de Fadas. A sério? Muitas Belas deste mundo diriam outra coisa, se tivessem vivido para contar a história.
(Texto publicado na LER nº 138.
Mais personagens semi ou totalmente insanos, da série «Wendy no Divã», podem ser lidos no Jardim Assombrado, aqui.)
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